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Lucia Massei: a poética da cor

Lucia Massei é mestre nas texturas e contrastes. Colares, pulseiras e broches constituem uma poética da cor. Trata-se de uma obra que salienta com riqueza as cores variadas e expressivas. As formas são abstratas, sendo as peças quase sempre em ouro. Recorre a gemas e pigmentos misturados com poeira de mármore, criando joias que lembram pinturas.

Na sua obra, a cor e as texturas falam e cantam como se quisessem transmitir encantos. Fragmentos abstractos de grande riqueza plástica jogam entre si entrelaçados com grãos texturados. Esta obra vale precisamente pela profusão da coloração que se transforma num falar poético.

A joalharia de Lucia Massei faz lembrar a pintura abstrata e expressionista de Jackson Pollock, pintor conhecido pela action painting. A obra de Pollock varia desde cenas junguianas de ritos primitivos até às pinturas gotejantes puramente abstratas da sua carreira posterior.

No entanto, as joias de Massei não figuram como gestos rápidos como a pintura de Pollock. São delicadas entidades cuja técnica é esmerada. Se digo que lembram o abstracionismo gestual de Pollock é mais pelos aspectos visuais, pela cor e texturas que argumentam numa aparente liberdade.

Falar sobre Lucia Massei não poderá seguir a via formalista e dogmática do crítico americano Clement Greenberg, que tanto escreveu sobre Jackson Pollock. As peças de Massei oferecem-se a vias interpretativas com liberdade democrática. Pedem diálogos com o leitor e usuário que esteja disposto a interpretar a sua acentuada liberdade expressiva na perspetiva de viver experiências estéticas. Mostram razões comunicativas no plano simbólico da arte, numa poética constituída por fragmentos  coloridos e texturados que se compõem entre si, falando como instrumentos com intenções próprias. Os títulos revelam, em grande parte, essas intenções.

Como caso ímpar, as joias de Massei conquistam a sua autonomia através de uma intersecção. Configura um tipo de arte de natureza mestiça. Como tal, esta joalheira entrecruza e entrelaça um terreno simbólico imprevisível, com as suas razões comunicativas, poiéticas e simbólico-funcionais, fazendo do artesanato uma arena criativa. Articuladamente, desordena tradições de artefactos próprios da joalharia tradicional. Estas joias propõem-nos tangibilidade, palavra que indica algo que podemos tocar e perceber com os sentidos. Além disso, por um lado, reúne refletir e fazer, objetando princípios próprios do Iluminismo que opunham intelectualidade a artesanato. Por esta via, esta joalheira cria e pensa com as mãos, como escreve, por exemplo, o arquiteto e professor Campo Baeza. Por outro lado, propõe-nos experiências estéticas em que o tacto pode ser importante. Recebemos o que nos dizem através dos sentidos, atendendo às suas as formas e impressões e às sensações externas, até o que é nos perguntaremos: isto que significa?

Tangivelmente, iremos percebendo primeiras capas de sentido. Como se se tratasse de uma aventura interpretativa, como diz o filósofo Jaques Rancière, havemos de refletir e ir decifrando sentidos de cada peça. Como propõe Gerard Vilar, outro filósofo nosso contemporâneo, as suas obras fazem-se como um vaso que jamais terminará de encher-se, ou seja, havemos de atender a que inclui sentidos múltiplos.

Além do mais, esta joalheira desafia princípios defendidos por Duchamp, quando opunha o retinismo – isto é, a interpretação que apenas inclui a visão ao pensamento reflexivo, considerando que a arte há-de envolver investigação intelectual e propor experiências estéticas igualmente intelectuais.

Depois de obter o mestrado na Academia de Belas Artes de Florença, Itália, Lucia Massei fundou e dirige a escola Alchimia em Florença, Itália, junto com com Doris Maninger. Trata-se de uma instituição que treina muitos joalheiros reconhecidos internacionalmente. Esta é uma associação sem fins lucrativos que promove eventos sobre joalharia. Lucia Massei expõe regularmente em vários países, leciona e realiza workshops em países de todo o mundo, incluindo Japão, Bélgica, Espanha, Reino Unido, Tailândia, Áustria, Holanda, Israel, Grécia, Dinamarca e Estados Unidos.

Ana Campos nasceu no Porto, Portugal, em 1953. É joalheira e dedica-se, também, à investigação nesta área. No campo do ensino, foi professora de projeto e de teorias da arte e do design da joalharia contemporânea. Até 2013, foi diretora do ramo artes/joalharia e coordenadora da pós-graduação em design de joalharia da ESAD – Escola Superior de Artes e Design, em Matosinhos, Portugal. Tem-se dedicado a curadoria e produção de exposições de joalharia nacionais e internacionais. Licenciou-se em Design de Comunicação na FBAUP. Estudou joalharia no Ar.Co, Lisboa e na Escola Massana, Barcelona, como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian. Realizou uma pós-graduação em Relações Interculturais, pela Universidade Aberta, Porto, que conduziu ao mestrado na área de Antropologia Visual, cuja dissertação se intitula "Cel i Mar: Ramón Puig, actor num novo cenário da joalharia". A orientação foi de José Ribeiro. Atualmente, é doutorada em filosofia na Universidad Autónoma de Barcelona. Terminou o doutoramento em 2014, com orientação de Gerard Vilar. Desenvolveu uma tese intitulada: "La joyería contemporánea como arte: un estudio filosófico".

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