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Simpósio – o de Rita Gaspar Vieira na Appleton Square

Simpósio no piso superior, instalação de larga escala. Qualidade do Começo no piso inferior, monotipia sobre papel. Simpósio por todo o lado, uma exposição pensada a partir de Platão, desse primeiro diálogo sobre a relação entre o belo e o útil, sobre a natureza do justo e do verdadeiro, o elogio do amor – em todo o caso, para uma ideia de. Trata-se aqui, antes de mais, da “celebração do encontro” – mais concretamente, do encontro entre o corpo da artista e a superfície do objeto, “entre a pele de quem desenha e a pele do que é desenhado”. Simpósio é o que resta desse encontro, da força exercida sobre a massa de algodão, contra o referente e por amor ao referente, o vestígio de uma operação fundamentalmente afetiva – não apenas tátil, mas também afetiva.

Rita Gaspar Vieira celebra o mais rotineiro encontro, aquele que se dá com a mais familiar superfície, com o objeto do quotidiano – segundo a própria, existe sempre para e na iminência de ser redescoberto, uma e outra vez, a cada novo olhar. Com efeito, a evocação da lição platónica veiculada por Diotima: aprender a amar o belo, o que há de belo – muito particularmente, o que há de belo em cada dia, o mais tímido desvio em toda a ordem, a possibilidade da fissura. Isso de amar a regra pela exceção, na medida da exceção. Se a fricção configura uma forma de afeto. Se a impressão constitui a declaração desse afeto. Pode dizer-se, neste sentido, que agir sobre é cuidar de. De volta ao elogio da mão, ainda a mão do artista, essa que o precede inevitavelmente – ao serviço de toda a “artimanha do espírito”, como a diz Focillon. É o gesto que reanima, que reencontra.

Simpósio – e, sobretudo, na instalação – enuncia o “reconhecimento da diferença” como o princípio da igualdade: a singularidade de cada tampo está inscrita em cada folha de papel, em qualquer calço da mesa, participando do nivelamento que a torna parte de um todo, de uma só estrutura. Isto significa que a artista tira partido da diferença na busca pela semelhança, na configuração da unicidade. Pois que a situação de paridade decorre, em primeiro lugar, da assunção da alteridade. No entanto, esta proposta existe para lá da pura e simples assunção. Note-se que o trabalho da artista toma sempre, de modo mais ou menos evidente, o tom da celebração. Rita Gaspar Vieira não se contenta com a frottage: dança no abismo da fissura.

Tal dança não é mais que um processo arqueológico de excecional sensibilidade, de estranha intimidade. De facto, há algo de profundamente sensual no despelar do algodão – e não menos no que fica desse encontro, na prova da consumação. Atente-se: na delicadeza do indício, toda a violência da operação. Importa observar que, sobre a folha, permanece não apenas a linha do contorno, mas também alguma carne – uma porção do magma que fez dessa mesa a mesa de alguém. Diga-se a farpa, a ferrugem na dobradiça, o destacamento da pintura, o pó que ninguém limpou. Por fim, no momento do decalque, tudo se faz vestígio: a cada acidente, sua saliência. Assim, cada folha é a história que se arranca de um tampo, de um tempo, a memória da uma domesticidade intrínseca, um bocado de quem nele se debruçou.

Carolina Machado (Lisboa, 1993). É investigadora doutoranda do Instituto de História da Arte na qualidade de bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Frequenta o Doutoramento em Estudos Artísticos – Arte e Mediações da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, tendo concluído o Mestrado em Estética e Estudos Artísticos – Arte e Culturas Políticas e a Pós-Graduação em Curadoria de Arte pela mesma instituição, quando já titular da Licenciatura em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Desenvolve atualmente o seu projeto de investigação: «Genealogia da prática derivativa: Estudo sobre o paradigma da derivação imagética a partir da imagem que deriva no constelar de uma dinâmica para-artística em Portugal (2016 —)».

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