Em torno do refúgio do amanhã na exposição «Unbuilt Memories» de Didier Fiúza Faustino
Para quem aprecia e tem interesse no trabalho singular do arquiteto/artista luso-francês pode ver até ao dia 10 de Março a sua mais recente exposição individual na Galeria Filomena Soares.
Na presente mostra deparamo-nos em cada uma das salas, peças que fazem parte de uma instalação imbuída na sua expressão de uma forte densidade muito ao seu estilo e gosto. Os quatro trabalhos com a aparência de objetos inacabados interrelacionam-se entre si, numa afinidade discursiva, coerente com o espaço expositivo.
Na primeira sala, surge com a mesma denominação Tomorrow’s Shelter em dois diferentes suportes visuais, uma série contínua de fotografias em impressões digitais e bidimensional, distribuída de modo sistematizado ao longo da parede, que acompanha a escultura em ferro, fazendo pendant com esta. No centro, a mesma encontra-se colocada, impondo-se na totalidade do espaço, dada a natureza consistente da sua estrutura volumétrica, de porte monumental, como se de um andaime se tratasse, concebida por múltiplas barras de ferro cilíndricas. A peça confere uma aparência não finalizada e convida a entrar ilusoriamente no seu interior em jeito de procura de proteção por parte do usufruidor. Só que, as aberturas estão vedadas; conseguindo-se unicamente circular em volta dela no plano do imaginário através do olhar, porque se encontra visível do exterior.
O recinto aberto, com a configuração de uma casa, com linhas do esqueleto de um edifício, está próximo da linguagem arquitetónica, não sendo pela falta de área disponível que o corpo não consegue trespassar na teia labiríntica. Neste ponto, contém um lado subversivo e algum humor que é recorrente no autor.
«As exposições são uma maneira de concretizar e testar ideias, de ver o impacto que têm» (Didier)
Curiosamente, em grande parte das suas obras, Didier dá uma importância acrescida, por vezes crucial, à participação do espetador, onde o visitante torna-se parte ativa como ator participante. Assim, apresenta habitualmente obras que só estão completas quando agenciadas pelo visitante, pois o corpo é um dos elementos fulcrais nos seus projetos.
Na segunda sala, estamos na presença da instalação Prototype formada por três estruturas igualmente em ferro, na qual estão colocadas câmaras GoPro, parte integrante do vídeo Exploring Dead Buildings ali também projetado. Este local traduz-se numa ruína moderna, um espaço puramente formal, caracterizado pela ausência de corpos. Verifica-se no seu discurso plástico, um diálogo conduzido no sentido lógico onde a arte contemporânea já não é meramente contemplativa mas sim um agente social ao qual está inerente o sentido de função. No seu percurso, é óbvia a indistinção entre arte e arquitetura. Nas suas intervenções, o autor consegue estabelecer uma articulação estreita numa coabitação entre as áreas da escultura e a arquitetura, em que se desconhece se é a arte que alimenta e contamina a arquitetura ou o inverso. Ao longo da sua prática, assume o seu caráter dual, não estando assim interessado em “definir se é uma coisa ou outra, mas antes trabalhar no interstício de ambos os territórios” no dizer de Isabel Carlos na exposição Não Confiem nos arquitetos (Gulbenkian, 2011). Os campos não estão definidos e coexistem no limiar da fronteira entre ambos, conseguindo conviver amistosamente entre as duas disciplinas, onde encontra como aliados auxiliares determinantes para os seus projetos o desenho e o design na construção de formas ergonómicas.
No início da sua carreira, o artista afastou-se da arquitetura e desenvolveu práticas experimentais que desafiavam as fronteiras entre arte e arquitetura, onde o corpo do utilizador é inutilizado como mediador da proposta de espaços num território de ficção e experimentação, proporcionando experiencias que vão além do habitar comum. Para J. Fernandes a funcionalidade na sua arquitetura persiste, não desaparece, mas é antes requestionada a partir de uma atitude crítica originadora de uma leitura social de situações existentes. “A arquitetura é uma ferramenta para apurar os nossos sentidos e afinar a nossa consciência de realidade, experimentando a fragilidade, que tende a ser apagada” (texto da peça Trust me dito em vozes simultâneas). Aliás, a linguagem é a base de todas as suas peças como manifesto de pensar o futuro.