Fashion Revolution
#whomademyclothes. Já deve ter visto este hashtag pelas redes sociais. A iniciativa foi lançada pela plataforma Fashion Revolution e tem como objetivo incentivar os consumidores a querer saber mais sobre a forma como são produzidas as roupas que vestem.
Por detrás do #whomademyclothes está a derrocada do edifício Rana Plaza, no Bangladesh, a 24 de abril de 2013. Neste local, funcionavam cinco fábricas em condições precárias e a derrocada matou 1138 pessoas. Segundo Carry Sommers, fundadora do Fashion Revolution, esse foi também o dia em que nasceu esta associação sem fins lucrativos e de atividade comunitária, cuja missão é fazer tudo ao seu alcance para que o Rana Plaza não se repita.
Quatro anos depois, embora tenha sede no Reino Unido, o Fashion Revolution é global e está espalhado por países na Europa, Ásia, Oceânia e no continente Americano.
A Umbigo falou com Salomé Areias, a responsável pelo Fashion Revolution em Portugal.
Fashion is old-fashioned
“Queremos implementar boas práticas de produção e consumo dentro da indústria da moda. Não tencionamos ser aquela associação que luta sozinha contra os ‘maus’, até porque não temos informação suficiente que nos permita apontar dedos indiscriminadamente. E o problema é esse, a falta de informação”, explica Salomé. Sendo assim, o Fashion Revolution tenta agir em duas frentes: incentivar a transparência das marcas em relação aos seus processos de produção e a participação ativa do consumidor ao querer saber mais. No fundo, construir uma dinâmica de confiança entre quem faz e quem compra. “Queremos sensibilizar, ensinar, de forma a que as pessoas possam interiorizar a mensagem, pô-la em prática e transmiti-la aos outros. Um efeito em cadeia para que, um dia, todo o sistema mude”, conclui.
Todas as filiais partilham a mesma missão. Quem é coordenador de cada país acaba por se juntar ao movimento porque vê nessa missão um reflexo da forma como quer estar na vida. No caso de Salomé, embora seja formada em Design de Moda, esta consciência veio depois do curso. “Passei uma licenciatura completamente alheia a estas questões. Lembro-me de uma altura da minha vida em que pensava que quanto mais barato conseguisse comprar, mais fixe. Éramos estudantes, não tínhamos dinheiro e se conseguisse construir o estilo que queria com o menos dinheiro possível, era o ideal”, recorda.
Durante o mestrado voltou ao que sempre a interessou na moda — o ser um movimento social — e começou a pesquisar dentro da área das tendências de pensamento. O seu percurso profissional desenvolveu-se por esse caminho, mas foi também consultora de inovação e professora. Percebeu que uma das maiores tendências transversais de pensamento — da moda à alimentação — era a sustentabilidade. “Quando trabalhei como consultora de inovação, as tendências são a base de dados que interpretas para perceber quais são as necessidades existentes e para perceber o que precisas de criar no mundo para responder a essas necessidades. Quando apliquei este conceito à necessidade de sustentabilidade, comecei a perceber todos os podres da indústria. Havia um entrave a tudo o que quisesses criar: o imperialismo das grandes marcas que não deixa espaço para a produção de marcas de autor, os métodos de produção que secam solos, que prejudicam o meio ambiente, as condições precárias de trabalho, etc. Percebi que a grande inovação seria começar de novo”, diz Salomé.
No fundo, a pesquisa e a atividade profissional de Salomé levaram-na a sintonizar-se com linhas de pensamento que já existiam, como o manifesto Anti-Fashion da analista de tendências Li Edelkoort. Um dos pontos deste manifesto é a necessidade de reformular o processo criativo ligado à moda. Num mundo criado pela e para a interação, o culto do individualismo (neste caso do designer) deixa de fazer sentido. O mecanismo para criar um produto de moda tem que passar por responder a necessidades reais e não por reciclar estéticas ou ser uma resposta a um estímulo criativo.
Apostar num novo tipo de formação é um passo essencial neste processo e foi nesse sentido que Salomé criou um curso de Design de Moda e Inovação na ETIC. O currículo assenta no design thinking e ensina os alunos a olhar mais para o futuro e menos para o passado. “Não é o futuro daqui a dois anos quando sair a coleção, mas o futuro de uma forma mais estruturada e pensada”, explica.
Durante o último ano, esteve em Angola a trabalhar como gestora de produção de uma empresa de retalho. Quis sedimentar ainda mais o seu conhecimento de como funciona a indústria nas suas várias vertentes. Só assim se podem identificar os problemas e pensar em soluções. “Tinha a parte comportamental, mas nunca tinha tido contacto com a análise de vendas, com as estatísticas”, explica.
Fashion Revolution em Portugal
O Fashion Revolution está em Portugal desde 2014, embora Salomé considere que passou realmente a existir em 2016. Foi nesse ano que o movimento deu o salto do online para o mundo real, organizando o primeiro Swap Market (mercado de troca direta de roupa que já não queremos ou não usamos). Desenvolveu também uma parceria com o MUDE com a cedência de espaços para a Unconference “Como podemos erguer um sistema de moda sustentável” e para a estreia nacional do documentário True Cost.
Ao contrário do Fashion Revolution no Reino Unido, que já conseguiu estabelecer uma rede de apoios financeiros, por cá a associação ainda não é economicamente viável. Tudo tem sido feito com parcerias e trocas de serviços. Para rentabilizar os recursos e a equipa reduzida (neste momento, o núcleo duro são quatro pessoas) tentam organizar eventos que cheguem simultaneamente às marcas e aos consumidores. “Acima de tudo, passa muito por responder às necessidades que chegam até nós. Consumidores que nos perguntam como pôr em prática estas coisas — onde comprar, como saber o que produzido de forma ética. Ainda não há grandes marcas que nos procurem, somos muito insignificantes a nível de marketing para as atrair, mas temos algumas marcas pequenas e médias que geralmente já têm estas preocupações de sustentabilidade e que nos perguntam se temos uma lista de empresas onde possam mandar produzir na casa das dezenas e não das centenas ou dos milhares, por exemplo”, explica. Dentro desta lógica, trabalham também com a FIO, uma associação cujo objetivo maior é ligar quem cria a quem faz, fazendo a ponte entre designers e produtores.
Para além do Swap Market, que funciona de consumidor para consumidor, também já organizaram desfiles e mercados com estas marcas que os procuram. O objetivo é divulgar os produtos, mostrando que existem opções ao fast fashion. Organizam também palestras — “porque várias cabeças pensam melhor do que uma” — e workshops. “O nosso objetivo é que o mais comum dos mortais possa fazer a sua roupa. Ou de raiz ou saber o suficiente para remendar, transformar. Tudo o que possa prolongar o tempo de vida útil de uma peça de roupa”, diz Salomé.
Acima de tudo, o Fashion Revolution quer que o consumidor forme uma opinião, que faça opções mais conscientes; que saiba porque compra determinada peça e que entenda cada vez melhor esta necessidade básica, processo emocional e atitude social, política e ética que é vestir o corpo.
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