
O Brasil e o mundo dentro de Assim Assado
No universo artístico brasileiro cabem correntes infinitas, mundos que se cruzam e deixam influenciar. Os limites rompem-se com extrema facilidade, não há espaço para o medo de arriscar, nem para o preconceito formatado pela imposição dos estilos. A variedade da música brasileira está bem viva dentro deste universo; recria-se através das paisagens produzidas pela bossa-nova, funk ou samba. Neste contexto de riqueza cultural reside também a possibilidade de recorrer ao tropicalismo, nomeadamente a identidades sonoras oriundas dos antepassados indígenas. O disco Assim Assado (1973) representa parte da abrangência cultural do país, em permanente consonância com o psicadelismo anglo-saxónico da época.
O único álbum editado pela banda tornou-se num clássico da música psicadélica brasileira, e por isso, merece uma reedição da Groovie Records. Numa altura em que o movimento Tropicália – ao qual se associavam, por exemplo, Os Mutantes e Gal Costa – se começava a desmoronar, o pós-tropicalismo surge pela mão de outros tantos artistas, entre eles, os Assim Assado. Neste contexto, a banda e o seu disco homónimo assumem-se determinantes para um movimento transitório que desponta, exatamente, no epicentro da ditadura militar no Brasil.
O quarteto liderado por Miguel de Deus – compositor, vocalista e guitarrista – não se enclausurou, nem blindou as portas, deixou-se invadir por todos os ritmos e harmonias do país. A introdução de Assim Assado aparece feliz através de Viva Crioula, uma cantiga repleta de referências samba, solarengas e tropicalmente calorosas. Na Boca da Estrada, por sua vez, levanta o véu ao psicadelismo; secções rítmicas sem pressa e riffs de guitarra embebidos pela ginga progressiva do rock.
Está dado o ponto de partida para um disco primordial, que se tornou embaixador da samba-soul. Revelam-se contrastes, quer harmoniosos, quer líricos, alternando entre temas mais melancólicos e faixas carregadas de felicidade latina. Sombras reflete nostalgia, um desgosto amoroso conduzido por teclas clássicas e coros agudos. “Morena você não sabe o que eu vou te dizer / Morena eu vim de longe só para te ver” é assim que Morena entra nas nossas vidas. Uma faixa alegre e de arranjos refinados, onde a poesia da bossa-nova se funde com os ritmos dançantes do samba. Sem abandonar as inspirações românticas, contudo, novamente entre as oscilações psicadélicas aparece Rock Blue para enobrecer a alma do disco.
Uma relíquia obrigatória para os amantes da música brasileira (e não só), mas essencialmente para colecionadores e seguidores do underground psicadélico dos anos 70. Assim Assado é um porta-estandarte da expansão musical brasileira, e aqui habita, não só um país, mas um espaço ilimitado de linguagens e referências.