NaN:Collider @ MADEIRADiG
Code is Poetry
Numa fusão entre a música e a arte digital os NaN:Collider (João Martinho Moura e António Rafael, a quem se juntou Miguel Pedro, fundador dos Mão Morta) apresentaram no MADEIRADiG um espetáculo imersivo, que leva o espetador a uma viagem de 30 minutos pelo espaço profundo, começando na Terra, explorando formações de galáxias em espiral e terminando num misterioso buraco negro. NaN é um elemento numérico utilizado para representar valores irrepresentáveis. Collider representa o conceito oposto, o concreto, usado como ferramenta de pesquisa na física das partículas.
Não é por acaso que a UNESCO atribuiu a Braga o título Cidade Criativa na área da media art e o surgimento de movimentos artísticos ligados à arte digital como o BRG Collective – coletivo de Braga em torno da exploração sonora, da imagem e da arte digital – acentuam esta realidade. Os Nan:Collider fazem parte deste coletivo e o concerto a que assistimos resulta de uma relação entre música e ciência numa exploração do lado estético. Um trabalho fruto de várias fusões.
Elsa Garcia – A parte visual a que assistimos no concerto resulta de um trabalho de investigação no Centro Espacial Europeu, para o qual desenvolveste um software para visionamento de uma sonda.
João Martinho – Exato. Começou há cerca de cinco anos, com uma sonda lançada há mais de 12, e eu tive a oportunidade de trabalhar nesse projeto, nessa missão.
EG – Missão?
JM – É uma missão espacial. A sonda chama-se Rosetta e tem como objetivo estudar o cometa 67P com cerca de 4km. Esteve perto de Júpiter, já esteve perto de Marte e agora está outra vez em rota perto de Júpiter. Trabalhei durante alguns anos neste projeto e fiquei bastante envolvido com as imagens que chegavam da sonda…trabalhava na área da visualização e as imagens chegavam de Marte e de outras partes do Universo.
EG – Onde apresentaram este projeto?
JM – Para além do MADEIRADiG, em Berlim e no Ocupa#2 em Braga. O Ocupa só começou no ano passado e partiu da ideia de promover o que se faz no campo da música eletrónica e das artes digitais em Braga. Como o nome indica, a ideia é ocupar um espaço, programá-lo e tomar conta dele, à maneira dos “ocupas”.
EG – E como surge este vosso interesse pela media art?
JM – No meu caso já são cerca de 15 anos de experiência e curiosamente há uns anos chamava-se new media art, portanto hoje em dia o new já caiu, faleceu. Parte das visualizações destas imagens, são desenvolvidas por código, sempre com alguma sonoridade, e esta relação entre ciência e arte, quer do código, quer do interface, é fantástica de desenvolver.
EG – Rafael como ligas a música à parte visual?
António Rafael – Nós desde há muito tempo – desde o tempo de Mão Morta – que apesar da nossa associação ao rock, sempre explorámos diversas sonoridades, muito também nos projetos que fomos fazendo paralelamente. O Miguel, por exemplo, chegou a fazer vários projetos de música eletrónica pura e dura, ligados à criação de ambientes sonoros para exposições e instalações.
Miguel Pedro – Sim, sempre estive ligado ao mundo da música eletrónica. O meu primeiro instrumento foi um sintetizador analógico. Comprei-o em 1984 e ainda hoje o tenho. A eletrónica é, na minha maneira de ver, uma experimentação sobre o som, portanto os parâmetros que se usam neste campo são bastante diferentes dos que se usam na música convencional: a espacialização, o timbre, trabalha-se o pitch, trabalha-se uma série de parâmetros, o que faz com que a música eletrónica se integre muito bem com a visualização e as imagens. Aliás o que se vê em festivais como o MADEIRADiG é esse casamento com a parte visual.
JM – Desde há cinco, seis anos que trabalhamos na área da media art, com o Miguel e com o Adolfo dos Mão Morta. Tivemos inclusive um projeto muito interessante que juntou ciência e arte chamado Câmara Neuronal. Com o Adolfo em palco, e enquanto ele atuava, fazíamos um eletrocardiograma e um eletroencefalograma real com os vários sensores do cérebro.
EG – Adorava ver esse espetáculo.
JM – Esse projeto foi feito no âmbito da Capital Europeia da Cultura em Guimarães, e depois fizemos uma apresentação um pouco mais científica em Itália. Ainda existem registos dessa performance.
AR – Para a segunda parte deste projeto tivemos o convite do INL – Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia que faz uma forte aposta na fusão entre arte e ciência, chegando mesmo a ser estratégica. Para o projeto fomos fazer algo que gosto muito: captar sons (eu costumo dizer que a música tem que ser muito orgânica, neste caso no sentido de estar ligada ao espaço) e o INL era um sítio com muito ruído, muita pressão sonora, o que não deixa de ser curioso porque quando pensas em ciência, pensas em coisas asséticas ou silenciosas, quando na verdade era super ruidoso, com ventilações. Reproduzimos as sonoridades que desenvolvemos para a nossa área nesse trabalho. Também tem piada este rigor da ciência, que nós interpretamos sem estarmos agarrados a fórmulas.
EG – Como foi o vosso processo de trabalho para este projeto?
MP – Foi um work in progress em que fomos trabalhando à procura de um resultado final. Não é um trabalho que se apresenta logo, demorou alguns meses. O João foi trabalhando o lado visual, passou-nos ideias e imagens, e eu e o Rafael fomos trabalhando em conjunto, passando ficheiros áudio um ao outro.
AR – E as imagens também são influenciadas pelo som. É um processo recíproco, imersivo.
MP – No âmbito do espetáculo construímos uma narrativa sonora, que acompanha a narrativa visual.
EG – Uma ligação das narrativas.
AR – Vou dizer como já disse uma vez…a narrativa sai-me das mãos.
JM – Em termos de trabalho, há aqui uma viagem que é feita.
EG – João e como surge este teu fascínio por estas questões…
JM – Eu sempre gostei de ciência.
EG – Estudaste ciência?
JM –Não, porque há 20 anos não existia a opção de ciência e arte. Então entrei num curso de artes, fiz o primeiro ano, mas percebi logo que gostava de programar. Então parei, fui para um curso de engenharia de programação com o objetivo de programar visuais e depois voltei às artes para um curso na área da media art. Foi um percurso a andar de um lado para o outro.
EG – É uma questão de algoritmo…
António Néu – Code is poetry.
EG – Bonito… dá um bom título.
JM – Há uma escola chamada The National Schools Poetry Competition em que o lema é mesmo esse “code is poetry”. E em referência a essa mesma frase sim, quem faz media art desenvolve artefactos nesta área. Finalizava com este statement. Muitos dos visuais e mesmo alguns sons, são feitos com códigos e cores…
Os Nan:Collider estão agora a desenvolver um projeto na área da dança, com código e audiovisuais ao vivo em conjunto com coreógrafos. Aguardam-nos novas explorações e viagens.
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Ver também: MADEIRADig 2017