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MADEIRADiG 2017

Entre a Natureza e o Experimental

Laraaji veste laranja diariamente, um dress code com uma radiação vibrante, próxima à cor do Sol, fogo, energia e criatividade. “A meio dos anos 70 comecei a usar laranja numa atitude experimental. É o que chamo de epifania profunda e que mudou a minha atitude perante o estilo de música que comecei a criar. Usa laranja de forma alusiva às cores do sol representando o seu nascer e pôr. É também uma cor de vibração positiva”. É nestes pequenos detalhes que reside a magia do MADEIRADiG – um festival que decorre todos os anos no início de dezembro entre a Estalagem da Ponta do Sol e o Mudas – Centro de Arte Contemporânea –, na intimidade que se estabelece diariamente entre músicos e público.

A Estalagem da Ponta do Sol é determinante no conceito deste festival. Parceiros e anfitriões, André Diogo e Nuno Barcelos são figuras que dão caraterísticas únicas ao MADEIRADiG e caso esta parceria não existisse o ADN seria substancialmente diferente. Para além da localização privilegiada, entre o mar e a montanha, o fator humano é fundamental e reside em grande escala na empatia dos empregados e na sua capacidade de interagir e garantir a satisfação de todos os que por lá passam. A adicionar o facto de tudo se passar em volta deste espaço, à exceção da noite de concertos que tem lugar no auditório do Mudas. A proximidade criada entre músicos, público e empregados gera um grau de intimismo nunca visto num qualquer outro festival onde a interação se estabelece unicamente entre palco e espetador.

Foi nos jardins da Estalagem que Edward Larry Gordon aka Laraaji ofereceu ao público o seu workshop de meditação do riso, criado na altura em que leu o livro The Orange Book: The Meditation Techniques Of Bhagwan Shree Rajneesh e do qual consta o que se chama de meditação do riso. Ao longo de 1h30mn “foi muito bom perceber que as pessoas se permitiram rir. Foi fantástico e terapêutico estar nesta ‘laughter zone’ e neste grupo que se entregou de forma rápida e fácil. Apesar de alguns exercícios parecerem ridículos, todos se divertiram”. Na noite posterior, a última do festival, a sua performance no auditório do Mudas foi o que se pode chamar de transcendente, como o próprio afirmou “uma espécie de bênção para os presentes e para o seu sistema nervoso e emocional, através de uma viagem musical que ajudou a neutralizar padrões de stress existentes no nosso subconsciente. Ajuda-nos a sentir o universo aqui e agora. ‘The world is fucked up and we need to unfuck it’”, reiterou com uma gargalhada. (ver artigo)

Este ano Rafael Biscoito, (Associação para a Promoção da Cultura Atlântica), programador do festival em conjunto com Michael Rosen (Digital in Berlin), voltaram a superar as expetativas através de uma escolha criteriosa e da qual fizeram parte os artistas Carl Stone, The Necks, NaN:Collider + Miguel Pedro, Ectoplasm Girls, Greg Fox, Rhys Chatham, Maja S. K. Ratkje e o já referido Laraaji. “Existem nomes que estão na nossa mente há vários anos como é o caso do trio de jazz experimental The Necks, que há muito sonhávamos trazer. Eles estão no outro lado do mundo, na Austrália, e nem sempre é possível conjugar a nossa vontade com a disponibilidade dos músicos. Felizmente aconteceu este ano”, contou Rafael. E… para os The Necks, cuja paragem na Madeira fez parte da sua digressão, foi uma experiência única. Segundo o baterista Chris Adams “após 30 anos, o que realmente nos perguntamos é o facto de ainda gostarmos tanto do que fazemos. Nunca existiu o pré planeamento de uma carreira nesta banda. É por isso que tínhamos expetativas tão baixas para o grupo e nunca existiu qualquer situação em que sentíssemos estar num beco sem saída e não pudéssemos ir mais longe. Não tínhamos expetativas. Éramos apenas três pessoas num quarto a tocar música para si próprios… e agora, passados 30 anos, estamos no outro lado do mundo a fazer o que mais gostamos”. (ver entrevista na íntegra)

A preocupação é sempre a de apresentar uma “paleta diversificada e não ter num ano um conceito mais fechado, é esse o espírito do MADEIRADiG e nesta edição acho que conseguimos novamente uma conjugação perfeita” referiu Rafael. À música juntam-se muitas vezes as artes visuais, como este ano foi emblemático o concerto de NaN:Collider, grupo composto por João Martinho Moura e António Rafael, ao qual se juntou Miguel Pedro (fundador dos Mão Morta). O concerto imergiu o público numa viagem espacial, ao longo de 30 minutos, resultante da investigação científica e exploração espacial que João tem vindo a desenvolver numa relação entre arte e ciência. “Gosto de explorar o lado estético da ciência”, afirmou. Desde há cinco, seis anos que ambos trabalham na área da media art, juntamente com Miguel Pedro e Adolfo Luxúria Canibal. O resultado final para este projeto foi, segundo António Rafael e Miguel Pedro, a experiência de “um work in progress. Não é um trabalho que se apresenta logo, demorou alguns meses”. Enquanto João trabalhava o lado visual António Rafael e Miguel foram criando em conjunto toda a parte musical. (ver entrevista na íntegra)

Todo o conceito do MADEIRADiG tem evoluído ao longo dos seus 14 anos de existência, mas “a essência, a sua génese, era digital e multimédia”, conta Rafael, reiterando a importância da componente da imagem, dos visuais, da eletrónica e do laptop. “No caso específico da Madeira, não há nenhum evento que tenha estas caraterísticas basiladas no avant-garde e experimental. Sendo um evento único, temos quase a responsabilidade de tentar mostrar e diversificar e foi assim que o conceito foi evoluindo. Este ano o festival oscilou entre veteranos da música, como os já referidos Laraaji, The Necks ou Rhys Chatham e nomes mais recentes como é o caso do nova-iorquino Greg Fox, “um baterista tecnicamente muito bom e que começou como baterista dos Liturgy, uma banda de metal. Começou depois a evoluir, saiu daquela concha e começou a experimentar, a trabalhar e a colaborar com nomes de vanguarda como é o caso de Ben Frost”, acrescentou Rafael. Greg Fox é um virtuoso, toca de forma sublime e faz vibrar a audiência com a sua mestria. Ao longo do concerto juntam-se sonoridades entre o jazz e a eletrónica, provenientes de um laptop e em que o som é controlado pela bateria através do software Sensory Percussion. “Tornou-se numa forma de começar a explorar um território criativo. A partir do momento que comecei a dominar este software o céu tornou-se o limite, na medida em que posso fazer as coisas acontecerem com uma ponte entre a bateria e o computador”, contou Greg Fox (ver entrevista na íntegra).

A finalizar o festival o concerto da compositora norueguesa Maja S. K. Ratkje transportou os espetadores para um outro campo da experiência visual e sonora. No cenário uma mesa repleta de equipamentos que manejava com enorme mestria, alternando de uma sonoridade para outra naquele que foi um concerto único e improvisado, como são aliás todos os que leva a palco. Não existe um espetáculo idêntico e entre as sonoridades oscilam o caos e a harmonia. À medida que usa a voz “a emoção é ouvida, é iminente. Eu uso a expressão da voz para mover as pessoas, mas não como um ator que está emocionalmente controlado. O som vem primeiro e depois a emoção”, contou (ver entrevista na íntegra).

Este ano o MADEIRADiG teve uma outra inovação, a rádio DiG criada em parceria com a APCA e o M-ITI (Madeira Interactive Technologies Institute) e que esteve no ar entre os dias 28 de novembro e 6 de dezembro. Dela fizeram parte música eletrónica de carácter vanguardista, live performances, entrevistas, emissão dos concertos, o revisitar de edições passadas do festival e espaço à divulgação de artistas regionais com trabalho nesta área. Segundo Maria Fernandes, responsável pela comunicação do festival, “tratou-se de uma nova abordagem à difusão radiofónica assente no binómio hi-tech e low-cost a partir do projeto RooTIO, que o M-ITI tem vindo a desenvolver e que consiste numa plataforma técnico-social que possibilita uma nova forma de comunicação mais acessível e que foi já implementada em quatro comunidades no Uganda. Para o MADEIRADiG surgiu como uma ferramenta que iria dar outro tipo de conteúdos para o sistema a ser testado. Pretende-se que com a obtenção de sucesso com esta experimentação, criar alguma pressão para que seja mudada a legislação neste aspeto e que se permita a criação e a abertura de frequências para rádios locais”, concluiu.

Rafael sente-se feliz com a forma como o festival decorreu e com a adesão do público a refletir a tendência dos anos anteriores: sempre a crescer. “As vendas online representam, neste momento, talvez 40% e apesar de os espetadores continuarem a ser predominantemente alemães, este ano vieram pessoas de Itália, Reino Unido, Dinamarca, Holanda, Suécia, Noruega, Bélgica, Suíça, Áustria e Croácia”. Não obstante, o festival continua a viver uma ambivalência, na necessidade de crescer e em simultâneo a impossibilidade de tal acontecer devido ao seu formato exquisite que se vive entre a Estalagem da Ponta do Sol e o auditório do Mudas, circunscrito a 200 pessoas. Este ano existiu uma maior afluência de público e várias pessoas tiveram que ficar à porta do auditório. Como fazer para resolver estas questões? É um problema que se coloca há vários anos, muito devido também à falta de apoios e sponsors. Afinal muitas marcas não gostam de apostar em conceitos de nicho apesar de estes serem primordiais para muitos. Seremos todos “obrigados” a viver unicamente o mainstream pela falta de apoios existentes para conceitos únicos e circunscritos ao belo e experimental?

Agradecimentos especiais: André Diogo, Celina, Maria Fernandes, Maurício Marques, Nuno Barcelos, Rafael Biscoito e Rita Isabel.

Começou no jornalismo e ao longo dos anos tem feito vários cursos de arte contemporânea, entre os quais Temas da História da Arte do Século XX (Fundação Serralves), workshop de Curadoria na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, Estética (Ar.Co) e História da Fotografia na mesma Instituição e uma Pós-Graduação em Curadoria na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É membro fundador e diretora da revista Umbigo, criada em 2002, com a qual desenvolveu vários projetos curatoriais, entre eles a exposição Entre Limite e a Audácia de Miguel Palma na galeria Fábulas, The Difference de Andrea Splisgar no Palácio de Santa Catarina, a exposição Pieces and Parts na Plataforma Revólver, Lisboa, Pierre Barbrel – Dissociation no Espaço Camões da Sá da Costa, Robe de contact (lys) do artista Jean François-Krebs na Galeria Sá da Costa. Em 2023 fez a curadoria das exposições Unwinding de Theodore Ereira-Guyer e Sam Llewellyn-Jones na Galeria Sá da Costa e A Face is a Mask... de Pedro Valdez Cardoso na Brotéria. Foi júri e curadora da Exposição de Joalharia Contemporânea On the Other Hand, comemorativa do 5º aniversário da PIN (Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea), na Galeria Reverso (Lisboa), Galeria Adorna Corações (Porto) e no Simpósio Gray Area na Galeria Medellein (Cidade do México). Em 2018 foi júri do prémio ENSA Arte em Luanda. Também para a revista Umbigo coordenou a edição do livro Coordenadas do Corpo na Arte Contemporânea, uma coleção que reúne um ensaio de Bárbara Coutinho e diversos trabalhos artísticos, muitos deles desenvolvidos propositadamente para o livro, num conjunto de trabalhos que representam uma pequena amostra das preocupações filosóficas e estéticas de um grupo de artistas. Em 2018 juntamente com António Néu (diretor de arte da revista Umbigo) criou a Plataforma UmbigoLAB, uma rede de networking para artistas que promove a sinergia entre estes e os agentes do meio (curadores, diretores de museus, galeristas, colecionadores e instituições).

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