Nina Fraser – Naturezas Interiores
Nina Fraser tem 33 anos e nasceu em St. Albans, no Reino Unido. Estudou Artes Têxteis e depois foi viajar durante um ano. Quando voltou, em 2008, assumiu a co-gerência de um projeto artístico em Southampton. O The Art House é parte café, parte galeria, parte local para espetáculos musicais e workshops. Sem fins lucrativos, é um organismo virado para a comunidade e também alimentado por ela através do trabalho voluntário de vários artistas (e não só) que ali encontram um espaço de encontro, partilha e inspiração.
Durante os sete anos que dedicou ao The Art House, embora estivesse em constante contacto com Arte, admite que a nível pessoal a manteve bem fechada dentro de si, que é como quem diz, andou a fugir dela. Mas a Arte acabou por apanhá-la e teve que tomar uma decisão. Deixou o The Art House, começou a pintar e tornou-se freelancer. Pouco tempo depois, a rutura pacífica com a sua vida anterior tornou-se ainda mais efetiva com a decisão de se mudar para Lisboa, onde vive há três anos.
Fomos encontrá-la no SP21 (um espaço na Rua de São Paulo partilhado com artistas como Sérgio Condeço, Mariana Dias Coutinho e Susana Villar, entre outros) onde tem um atelier pequeno, mas luminoso. Com duas chávenas de café em cima da mesa, falámos sobre colagens, aguarelas, instalações, e a incapacidade de fazer uma só coisa de cada vez.
Olhar para fora para ver o que vai cá dentro
O trabalho de colagens de Nina Fraser nasceu já em Portugal. Embora a ideia de viver noutro país lhe fosse perfeitamente confortável, quando chegou a Lisboa sentiu-se deslocada. Não falava a língua e não conhecia a cidade. Arranjar um trabalho dito convencional não fazia sentido depois do percurso que tinha feito e da decisão que tomou — ser artista a tempo inteiro.
Começou por trabalhar em casa, numa estante para sapatos que remodelou e converteu em bancada/atelier a um canto da cozinha. Embora continuasse a pintar aguarelas também como forma de combater o isolamento geográfico e linguístico, sentia que precisava de sair da sua zona de conforto e encontrar novos estímulos.
Descobriu a escola MArt a poucos minutos da casa onde vivia e começou por frequentar apenas algumas aulas de desenho, acabando por fazer uma residência de dois anos. Foi aí que descobriu as colagens e começou a explorar os conceitos de lugar, casa e memória. Foi um trabalho catártico, alimentado pela sensação de deslocamento que sentia na altura.
Hoje em dia, trabalha frequentemente com fotografias de paisagens que usa apenas como ponto de partida para criar novas imagens. Ou seja, mantém intacta a imagem original e usa “bits and pieces” de imagens que encontra em revistas ou que lhe são enviadas para construir algo novo, inspirado pela fotografia original.
Do exterior para o interior
Diz que é muito rápida e intuitiva a trabalhar. Cada peça finalizada pode ser retrabalhada mais tarde, sendo apenas um ponto de partida para outra coisa. “Tento não pensar muito. Estou muito consciente do que estou a fazer quando o estou a fazer, mas de uma forma distanciada. Tenho um diálogo na minha cabeça, claro, mas acho que já sou capaz de me abstrair disso e simplesmente fazer. E de perceber quando esse diálogo está a ser produtivo ou não”, explica.
Reflexo disto é o 30 Day Project, uma ideia que repete todos os anos no final do verão. Com base em imagens que pede a outros, faz uma colagem por dia baseada numa dessas imagens. A rapidez de resposta ajuda a limpar a cabeça e a encontrar novas formas de olhar. É uma espécie de renovação interior que coincide com a renovação exterior do outono.
Foi mais ou menos este o processo adoptado para a sua próxima exposição. Interioridades foi pensada de raiz para assinalar o 5º aniversário da Apaixonarte e Cláudia Cordeiro, dona do espaço, gostou da ideia de incluir o público neste processo. Sendo assim, foi feita uma open call para o envio de fotos do interior de casas, a cores e sem a figura humana presente. As imagens selecionadas foram depois trabalhadas por Nina.
O desafio lançado por Cláudia Cordeiro à artista foi o de virar o olhar do exterior para o interior, algures entre o público e o privado, o individual e o coletivo. Desta vez, a intervenção é feita diretamente na fotografia escolhida, sem recurso a outros elementos. “A natureza arquitetónica das fotografias faz sentido com a intervenção direta. A ideia é rearranjá-las com sentido de humor. “Sinto-me privilegiada por receber estas imagens e muito consciente do que faço com isso. É pessoal mas ao mesmo tempo não é porque também pertence a outros”, explica.
A necessidade de tridimensionalidade
Em paralelo com as aguarelas e as colagens, Nina Fraser começou também a explorar as três dimensões, uma semente que nasceu durante o curso de Artes Têxteis e talvez até antes disso, com a influência do seu avô escultor (o belga Bert Coolen).
Desenvolveu uma das primeiras experiências nesta área em dezembro do ano passado. Chaos & Infusion foi uma instalação site specific para a Galeria 78/80. Desenvolvido ao longo de sete dias, este trabalho era um misto de instalação e colagem, sendo o papel vegetal e o papel de arroz os materiais de suporte para as colagens. Trabalhou também com materiais descartáveis e de uso diário como sacos de plástico, que usou para criar formas que depois foram penduradas pelo espaço com arames. As estruturas e as colagens dançavam pela galeria num jogo de construção e desconstrução, unidas pela partilha daquele momento no espaço e no tempo. “Até hoje não sei bem o que sinto em relação a este trabalho, mas sei que me levou para um sítio diferente”, diz.
O seu trabalho de colagens está também a encaminhar-se para uma forma de tridimensionalidade que, neste caso, se reflete na maneira de agrupar e construir texturas, pelo uso de diferentes papéis, etc. É também uma espécie de regresso aos têxteis. No futuro, gostava de poder juntar estas três vertentes — colagens, aguarelas e instalação. Mas, por enquanto, acha que faz sentido manter estas disciplinas isoladas, a evoluir em paralelo com tangentes ocasionais. “Não sou muito boa a fazer só uma coisa de cada vez”, diz entre risos.
Faz questão de manter um pé no Reino Unido, onde vai e expõe com frequência, mas não tem planos para sair de Lisboa num futuro próximo. Apaixonou-se pela cidade e já quase se sente em casa. Gosta de ir de bicicleta para o atelier e de deambular a pé pelas ruas e becos. Foi a forma que encontrou de conhecer a geografia, os hábitos e os espaços lisboetas. Nesses passeios, descobriu a Apaixonarte, um dos seus poisos em Lisboa, e também a Verso Branco, onde já expôs e onde voltará em 2018.
Quanto a falar português diz que é difícil, mas já se despede nas mensagens com um “até já!”
A exposição Interioridades estará patente até 13 de Janeiro.