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Missão Dimix – uma ponte entre Lisboa e São Tomé

“Eu não ia à procura de nada”, diz Sónia Pessoa. E encontrou tudo. A Missão Dimix nasceu numa viagem a São Tomé e Príncipe, em 2015, para realizar um sonho antigo: passar o dia de aniversário com calor. Ficou rendida à simpatia das pessoas e ao encontro com Dinix, uma das muitas crianças existentes na ilha. Soube imediatamente que queria voltar para fazer alguma coisa de útil, mas não sabia o quê. “Perante tanta pobreza, tinha vergonha de voltar outra vez apenas como turista”, diz.

Dois anos depois, a Missão Dimix celebra o seu primeiro ano de existência com uma viagem de quase dois meses a São Tomé. Os dias vão ser passados entre conhecer melhor a cidade e as suas necessidades, e atividades com as 50 crianças da Arcar, a instituição com a qual trabalha. Acima de tudo, Sónia Pessoa concretiza o sonho de passar o Natal com os “seus” meninos e de celebrar com eles o recém-adquirido selo de Organização Não Governamental para o Desenvolvimento. Era o passo necessário (e fundamental) para conseguir fazer ainda mais e melhor.

Dinix, o Principezinho

Este primeiro ano de existência da Missão Dimix tem sido um constante ajustar de planos e expectativas. Tudo vai acontecendo, mas raramente como e quando se espera, num processo de tentativa e erro. No fundo, é essa a essência deste projeto, a começar pelo nome. Dimix foi a forma como a memória de Sónia guardou o nome de um menino que encontrou na praia durante a primeira viagem. Na realidade, era o Dinix e durante os dias seguintes tornou-se numa espécie de guia. Nas poucas conversas que tiveram, ele falou-lhe dos hábitos e da vida das crianças de São Tomé. “Fiquei com imensa vontade de ir conhecer a escola dele e se calhar essa semente ficou e deu frutos na altura em que andei a fazer pesquisa de como ajudar aquelas crianças”, explica.

Já em Lisboa, Sónia encontrou nas suas buscas a D. Balbina e a Arcar São Tomé – Associação para a Reinserção de Crianças Abandonadas ou em Risco. Apaixonou-se pela forma como ela falava das crianças a seu cargo e tudo começou com conversas via e-mail e chat para perceber o que lhe fazia falta no dia-a-dia: livros, material escolar, roupa. Nasceu assim a ideia da Mochila Amiga.

A primeira era mesmo uma pequena mochila levada para São Tomé por uma hospedeira da TAP, amiga de uma amiga. Hoje em dia, a iniciativa é mensal e passa pelo envio de várias e volumosas caixas cheias com estes bens doados pela rede de amigos da Missão.

Para isto ser possível, a Missão Dimix conta com a preciosa ajuda de três transportadoras: uma que leva as mercadorias de Lisboa a Fátima (Transportes Antunes Figueiras S. A.) outra de Fátima à Maia (Transportes Coelho e Mariano S.A) e finalmente a terceira que as faz chegar por via marítima da Maia a São Tomé (Neivagest, a primeira empresa que se juntou à Missão). De mão em mão, de amigo em amigo, tal como tudo o que têm feito até aqui.

Quando regressou a São Tomé em 2016, Sónia tinha dois objetivos: conhecer pessoalmente a D. Balbina e a Arcar, e reencontrar o Dinix para lhe agradecer a inspiração e entregar um exemplar d’O Principezinho, um livro que está subliminarmente presente na Missão Dimix. “Tem a ver com uma ideia de infância feliz, mas também foi uma obra que acompanhou várias épocas da minha vida. Como é um livro especial para mim, um dos momentos que mais ansiava na segunda viagem era dar-lhe um exemplar com dedicatória”, diz.

Este reencontro foi breve, mas também só foi possível de boca em boca e de amigo em amigo, com o povo de São Tomé a fazer chegar o recado ao pai do Dinix, entretanto já a morar noutra ilha. Um bocadinho sem perceber o que estava a acontecer, mas feliz com a lembrança e o carinho, Dinix tinha um desejo – vir para Lisboa. Perante a impossibilidade de o realizar, Sónia fez o que lhe estava ao alcance: pôs a D. Balbina em ação para arranjar forma do menino voltar à escola. Hoje em dia, é um dos muitos alunos em regime interno na Arcar (existem outros tantos em externato).

Oferecer sonhos

O principal objetivo da Missão Dimix sempre foi a dinamização de atividades de complemento educacional. No fundo, pôr em prática uma ideia antiga de Sónia Pessoa: juntar os muitos amigos talentosos que tem e levá-los a fazer o que mais gostam junto de crianças em risco de exclusão social. Mostrar-lhes exemplos de áreas como as artes visuais, o desporto, a ciência, o teatro, entre outras, de forma a que possam expandir os seus horizontes profissionais e pessoais. No caso de São Tomé, mais do que querer que saiam da ilha, a ideia é inspirá-los a desenvolver novas profissões localmente, ajudando assim o crescimento do país.

Os primeiros workshops deveriam ter acontecido em junho deste ano, mas mais uma vez foi necessário ajustar os planos. Os fundos só foram angariados em outubro com o leilão da Missão Dimix. Foi a primeira de várias iniciativas que pretendem promover em Lisboa para financiar as atividades que querem implementar em São Tomé e para colmatar algumas necessidades básicas da Arcar. 35 artistas doaram obras que foram vendidas com o apoio da Tara Gallery. O dinheiro do leilão foi usado para comprar as viagens da primeira equipa Dimix a ir para São Tomé: Joana Tomás e Ana Teresa Magalhães. A viagem de Sónia Pessoa, que também faz parte desta equipa, já estava pensada pela própria como um objetivo pessoal desde o início de 2017. Não queria “pesar” à Missão. Foi um presente de aniversário antecipado pago do próprio bolso e fruto da sua atividade profissional como maquilhadora.

Joana vai para servir de apoio aos workshops mas, acima de tudo, para documentar a viagem. Com o novo selo de Organização Não Governamental para o Desenvolvimento, abrem-se portas para estabelecer parcerias maiores. Para as concretizar é necessário mostrar que a Missão Dimix tem objetivos sérios e que os cumpre no terreno. Ana Teresa Magalhães, que trabalha frequentemente com crianças em atividades na Culturgest e na Andaime, vai desenvolver vários workshops dentro do respeito pelo ambiente e das artes plásticas. Quanto a Sónia, para além do trabalho diário com as crianças, vai fazer duas atividades: uma de tricot (dando uso ao talento que coloca na Ursotigre) e outra de caligrafia. “Eu sei que é só caligrafia, mas o que sonho é incutir-lhes a ideia de que ler e escrever pode ser divertido. Podem escrever cartas aos amigos, postais. Escrever não tem que ser uma seca. Pode ser uma forma de expressão”, explica Sónia.

No final, está previsto um acampamento no qual as crianças irão partilhar e pôr em prática, ao ar livre, o que aprenderam nas atividades. Em standby, à espera dos resultados de uma campanha de Fundraising, está uma oficina de pintura e reabilitação urbana aliada à tecnologia e à fotografia da responsabilidade de Tiago Salgado. Se não se realizar agora, não ficará esquecida. É só mais um reajuste.

A ideia daqui para a frente é que os workshops da Missão Dimix estejam presentes na Arcar duas semanas por ano – uma em junho, contemplando o Dia da Criança (que é efusivamente celebrado em São Tomé) e outra no Natal. Muitas das crianças permanecem na Arcar nessa época e há uma enorme vontade de lhes proporcionar um Natal que os faça esquecer que estão longe da família; um Natal que lhes dê histórias para a troca com os amigos que conseguiram ir a casa.

A médio e longo prazo, um dos objetivos da Missão Dimix é trabalhar também com os pais destas crianças. Numa sociedade como a de São Tomé e Príncipe é impossível cumprir a missão de ajudar os mais novos sem incluir os mais velhos. Se há coisa que não falta a Sónia Pessoa são ideias e vontade de as pôr em prática. As possibilidades são quase tão infinitas como o sorriso que tem na cara ao falar sobre a Missão Dimix.

Até ao final de dezembro podem acompanhar os Diários da Missão Dimix aqui.

Mais informações sobre o projeto aqui.

Colaboradora da Umbigo desde 2000 e troca o passo, a relação tem sobrevivido a várias ausências e atrasos. É formada em Design de Moda, mas as imagens só (lhe) fazem sentido se forem cosidas com palavras. Faz produção para não enferrujar a faceta de control freak, dança como forma de respiração e vê filmes de terror para nunca perder de vista os seus demónios. Sempre que lhe pedem uma biografia, diz uns quantos palavrões e depois lembra-se deste poema do Al Berto, sem nunca ter a certeza se realmente o põe em prática ou se é um eterno objectivo de vida: "mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados. pernoito quase sempre no lado sagrado do meu coração, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo"

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