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Às vezes sombra, às vezes luz de Marie José Burki

Marie José Burki mostra os seus trabalhos pela primeira vez em Portugal, sendo este projeto uma adaptação realizada em 2017 em França, no Centre Regional de la Photographie em Douchy les Mines e na Suiça para o Kunsthaus Pasquart de Bienna, local de onde a autora é natural. O grupo de obras é constituído por diferentes suportes, do formato do filme ao vídeo, recorrendo à fotografia e à colagem. Preparou também um filme inédito para a sala Polivalente com texto seu, co-produzido pela Fundação Calouste Gulbenkian, onde se debruça sobre fenómenos globais e questões civilizacionais, como a extinção de espécies em massa. Marie José Burki, nascida em 1961, vive na Bélgica, cursou artes e começou a dedicar-se aos estudos de História e Literatura, os quais influenciaram o seu trabalho. Nos anos 80 interessou-se pelo vídeo e a sua obra esteve representada na Documenta IX, em 92. A partir dos atentados do 11 de Setembro de 2001 Burki começou a utilizar intensamente as notícias dos jornais nas suas obras expositivas. Há uma ansiedade diária provocada pelo grande fluxo de notícias e imagens.

“Quando folheio jornais, tenho a sensação que as notícias são para nos assustar”

Uma das suas premissas é mergulhar num período em que se constata um estímulo excessivo de informação que nos chega através de imagens e sons, como no vídeo Horizontes de um Mundo. Esse facto provoca a dificuldade em discernirmos o que é importante do acessório; ao ponto de sermos por vezes enganados pela deturpação das notícias. Neste contexto, estamos perante uma sociedade cada vez mais alienada pelo excessivo turbilhão, correndo-se o risco de nos tornarmos indiferentes aos acontecimentos. O objetivo é retratar a forma como a sociedade reage nos dias de hoje à violência e ao exercício dos media visuais e sonoros levando-nos a questionar sobre a noção do real e do fictício. “Espero que o meu trabalho não seja uma lição, mas que o espetador se divirta a vê-lo.”

As obras centram-se em figuras anónimas e inspiradas em textos literários que protagonizam uma suspensão do tempo e do quotidiano, como na série de fotografias Aos expostas no átrio com três rostos perfilados de raparigas, imagens de adolescentes captadas que giram sobre si mesmas num arquétipo à juventude, tendo em comum o facto de se apresentarem com o cabelo apanhado. “Quero simplesmente apanhar a luz, a forma, o corpo e fotografar o movimento”. Uma das suas caraterísticas é que quando trabalha a fotografia fá-lo em movimento de uma maneira fílmica; remetendo também para esse anonimato, existe um filme/vídeo Perto Daqui onde são realçadas pessoas como protagonistas que a artista chama de anti-heróis, conceito que atravessa regularmente o seu percurso. A câmara detém-se sobre corpos sentados ou deitados em que uma multidão é filmada durante o intervalo de um concerto. Não existe nada para ver a não ser o tédio, espaços sem coordenadas, atores sem hierarquia ou vida desprovida de exaltação. O filme constituído por três vídeos em projeções sincronizadas, onde o piano surge em permanência, é aquele que mais se adequa ao título geral da exposição, como uma das peças centrais.

Existe um jogo constante entre luz e sombra onde a penumbra da noite lembra um ambiente surreal magritteano, numa cidade adormecida, materializado pelo diálogo quase sinfónico conduzido entre os focos intensos de luz dos candeeiros da urbe acesos e os focos luminosos dos faróis de viaturas.

Apesar de se caraterizar por uma certa quietude, a forma como desenha o comportamento humano, torna-o mais apelativo, surpreendente e inquietante. Na cena do exterior está sentada uma figura feminina junto a uma mesa de jardim onde foi colocada fruta espalhada, como se de uma pintura de natureza morta se tratasse, um ambiente aparentemente tranquilo contrasta com a notícia do recorte de um jornal que exibe a cena de uma explosão. A personagem escolhida é a mesma envolvida de gestos num tempo de cinema, de feições hirtas, numa expressão fleumática, desprovida de energia, anestesiada, de olhar ausente, não estando presente. É desse encontro de contrastes que o seu trabalho vive intensamente, distinguindo-se cenas de estruturas simples, a partir de captação de momentos expressivos de uma especial incidência pela sua beleza formal numa estética poética.

Burki criou a mostra de forma a que o visitante possa vê-la pela ordem que desejar e interrompe-la a qualquer momento, uma vez que não existe uma narrativa linear de uma ordem sequencial.

A exposição Às Vezes Sombra, Às Vezes Luz de Marie José Burki tem a curadoria de Leonor Nazaré e pode ser vista até 20 de novembro no Espaço Projeto da Coleção Moderna da Gulbenkian.

Manuela Synek é colaboradora da revista Umbigo há mais de dez anos. À medida que os anos vão passando, identifica-se cada vez mais com este projeto consistente, em constante mudança, inovador, arrojado e coerente na sua linha editorial. É Historiadora e Crítica de Arte. Diplomada pelo Instituto Superior de Carreiras Artísticas de Paris em Crítica de Arte e Estética. Licenciada em Estética pela Universidade de Paris I - Panthéon – Sorbonne. Possui o "Curso de Pós-Graduação em História da Arte, vertente Arte Contemporânea", pela Universidade Nova de Lisboa. É autora de livros sobre autores na área das Artes Plásticas. Tem participado em Colóquios como Conferencista ligados ao Património Artístico; Pintura; Escultura e Desenho em Universidades; Escolas Superiores e Autarquias. Ultimamente especializou-se na temática da Arte Pública e Espaço Urbano, com a análise dos trabalhos artísticos onde tem feito Comunicações. Escreve para a revista Umbigo sobre a obra de artistas na área das artes visuais que figuram no campo expositivo fazendo também a divulgação de valores emergentes portugueses com novos suportes desde a instalação, à fotografia e ao vídeo, onde o corpo surge nas suas variadas vertentes, levantando questões pertinentes.

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