Das pequenas coisas – Cumplicidade entre Pomar e Cabrita Reis
Aproveitando os dias quentes que atravessam o período de Verão, apesar do Outono já começar a espreitar, sugiro não perder uma visita a esta exposição com obras de escultura, assemblages e objetos de reduzidas dimensões da autoria de Júlio Pomar e Pedro Cabrita Reis, a decorrer até ao mês de Outubro, no Atelier-Museu Júlio Pomar, sob a curadoria de Sara Antónia Matos.
As peças escolhidas, cerca de 100, variam entre esculturas e objetos de materiais variados de diferentes proveniências, tendo na sua totalidade um denominador comum: são de escala reduzida. Distribuídos nos três espaços expositivos do museu, a mostra consegue estabelecer um diálogo rico, num cruzamento bem sucedido entre dois autores de artes visuais, de gerações diferentes, mas que se unem na intensidade de pequenos gestos inspiradores da criatividade do objeto artístico. A iniciativa partiu da direção do Atelier, dando continuidade a duas mostras realizadas com Rui Chafes e Julião Sarmento, numa tentativa de gerar naquele espaço um lugar de encontro, estabelecendo novas relações entre a obra do pintor e a contemporaneidade. Coube a Pedro Cabrita Reis ser o terceiro a participar neste exercício visual, que aceitou por ser um desafio estimulante e gratificante.
“Obras feitas no encanto, no silêncio e na intimidade do ateliê” Pedro Cabrita Reis
A ideia partiu de revelar, uma produção dentro de uma área específica para ambos. Tratando-se de uma série de colagens, em assemblages, assentes em construções tridimensionais, Pedro Cabrita Reis refere uma exposição (1978) retrospetiva de Júlio Pomar na Gulbenkian. Muitos desses fragmentos praticamente não necessitaram da intervenção do artista, como se a matéria-prima eleita fosse suficiente para ser apropriada pelos autores. Esses pedaços de objetos feitos com matérias encontradas na praia, apresentavam-se desgastados e corroídos pelo tempo, isto é, pela força da natureza. Indo ao encontro desse mesmo ambiente de Júlio Pomar, Pedro Cabrita Reis expôs pequenos trabalhos com tendência a ficarem como projetos adiados no tempo, como obras de estúdio que não saem do ateliê, ficando esquecidas a aguardar uma oportunidade. “É um território que não estava divulgado, sobre o qual era necessário fazer alguma luz”. Júlio Pomar aderiu perfeitamente a esta ideia. “Esteve comigo três dias inteiros dentro do museu com uma energia, um entusiasmo e uma alegria contagiantes”. O empenhamento de Pomar foi total a fim de poder mostrar de novo o ciclo de vida de que faz parte a sua arte. Ao ver a exposição com algum cuidado, na maioria do conjunto das peças apresentadas, consegue-se discernir a autoria de cada uma delas, num exercício plástico, como se se tratasse de um jogo bem delineado de decifração visual. Contudo figuram pormenores onde podemos confundir, no plano da linguagem e do vocabulário utilizados, uma relação quase diria mimética entre ambos os artistas. Relativamente ao trabalho de Pomar, deparamo-nos com uma poética singular, única, onde os objetos adquirem um formato tosco, de grande pureza formal, com volumes irregulares e indefinidos e mal engendrados resultando no universo do pintor. Sente-se a satisfação que tiveram em expor juntos. Entre os dois autores é realçado um diálogo contagiante de cumplicidade onde as peças oferecem uma estranheza e, por vezes, uma ironia desconcertantes.
Após a escolha das esculturas, o aspeto mais delicado foi a sua montagem no amplo espaço expositivo. Paira no ar uma atmosfera encantatória eivada de uma energia luminosa entre os dois onde cada obra respira em cada gesto e olhar, como numa linha sequencial, ressoando em silêncio a voz de cada autor através das suas motivações, construindo uma narrativa bem historiada, que só a eles diz respeito. O verdadeiro ateliê é um espaço entre o olhar e o pensamento onde “tudo o que vejo à minha volta é matéria para as obras de arte” (PCR).