Documenta 14 Kassel – Kunststadt
Qualquer caucasiano, heterossexual a habitar num país abastado iria sentir um peso na consciência ao observar as propostas da Documenta 14. “Esta Documenta não é tão ‘leve’ como as anteriores em que se sentia a grandeza e o glamour numa perspetiva de transmissão de tranquilidade”, ouvia-se nos vários comentários referentes a este evento que para muitos além de ser difícil de compreender e assimilar, causa dor, não é confortável e sim cru numa confrontação com o tempo atual.
Na cidade a mensagem dominante é política, não só nas várias exposições, como nas mensagens exteriores subjacentes à campanha política para as eleições. Refletir sobre a arte que se vê na Documenta 14 significa refletir sobre o estado do mundo e se a mensagem passar para a imensa afluência de público que visitou Atenas e Kassel ao longo destes últimos meses, talvez venhamos a assistir a alguma mudança. Embora não ofereça uma solução a Documenta de Adam Szewczyk (diretor artístico) mostra o mundo real, despido, esventrado. Como diria Claire Bishop, trata de “food for the thought”.
As exposições dolorosas representam mais do que o ato de mostrar uma obra. “Tratam sobretudo a forma como pessoas tratam outras pessoas, a repressão das minorias pelas maiorias. Senti-me culpada…”, contou Corinna Seeger, estudante de design na Kunsthochschule Kassel (Universidade das artes). Nos últimos dias tornou-se quase impossível visitar os vários locais expositivos com as enormes filas a demonstraram um interesse crescente pela arte contemporânea; mesmo que seja a título de curiosidade já valeu a pena.
“Parthenon literário”
As propostas proliferaram por toda a cidade que se preparou para receber um dos maiores eventos da arte contemporânea. São 12 espaços — com várias propostas: exposições, conversas, filmes — e diversas instalações (ver Umbigo #61), entre elas a icónica The Parthenon of Books de Marta Minujín, peça central a toda a Documenta. Um símbolo decisivo de resistência a todos os escritores banidos e seus perseguidores. Para compô-la foram necessários mais de 100.000 livros censurados por todo o mundo e na sua base está o episódio que ocorreu na praça Friedrichplatz em Kassel — local da instalação — a 19 de maio de 1933 onde 2000 livros foram queimados pelo regime Nazi, durante a chamada “Campaign against the Un-German Spirit”. A instalação composta por livros doados foi construída como uma réplica da Acrópole, simbolizando os ideais estéticos e políticos da primeira democracia. Foi em seu redor que toda a Documenta se encheu de significado e significância e a 10 de setembro, a poucos dias do final, teve lugar uma performance que irá permanecer na história de arte. Ao redor do “Parthenon literário” criou-se uma fila de pessoas, que o envolviam, ansiando por se aproximar das várias colunas forradas de livros com o objetivo de os levar para casa. Um frenesi que durou várias horas — entre as 12h00 e as 20h00 — numa atitude de devolver os livros proibidos à população criando um novo marco histórico e político.
A poucos dias do final a tristeza começa a sentir-se nos habitantes de Kassel pois a cidade muda a cada nova Documenta. Chegam visitantes de todo o mundo, surgem novas lojas, restaurantes e tudo se torna vibrante. “Antes dos anos 90 não se verificava esta euforia porque as pessoas não percebiam as obras apresentadas, ficavam zangadas e não queriam a Documenta. Hoje acontece o oposto, a cidade orgulha-se em receber o evento, inclusive os políticos. O bem estar é geral e hoje em dia é muito difícil provocá-los”, contou Corinna. Documenta e Kunsthochschule Kassel tornaram-se nos últimos anos numa forte parte da identidade da cidade. “A universidade traz imensa vida a Kassel, os alunos juntam-se, abrem restaurantes, galerias e criam uma série de programas culturais. A cidade tem atualmente 25.000 estudantes, quando há 10 anos tinha 15.000”.
À entrada da cidade está uma placa amarela que o reitera: Documenta Stadt Kassel.
Até 2022!