Absolute Duration
Absolute Duration, a nova exposição do Carpe Diem Arte e Pesquisa, é um ensaio sobre um lugar em ruínas. Ao entrar no Palácio Pombal em Lisboa, o peso do tempo tem expressão no interior. O tempo encarrega-se de dissecar a composição de cada camada edificada, revelando um palimpsesto de vivências passadas. A tinta salta, deixando ver as sucessivas pinceladas; o papel de parede destaca-se, ondulado, como o virar de uma página; o estuque e as madeiras estalam em pequenas fissuras.
Miguel Branco, Michael Huey e Wolfgang Wirth partem deste descarnamento do palácio e dele criam uma hipótese de remodelação efémera. Mas dessa remodelação, nasce toda uma nova temporalidade sugerida pelas obras expostas. O visitante terá de contemplar a decadência acelerada do espaço em confronto com a contemporaneidade das fotografias, das instalações e das cerâmicas. Esta remodelação é uma tentativa de arrastar o próprio tempo, sabendo, todavia, e de antemão, a frustração resultante. Como o curador Lourenço Egreja refere: “(…) as obras estabelecem parâmetros provisórios para si próprias, habitando o espaço e tomando-o como sua casa, sabendo no entanto, que um estado de ‘Duração Absoluta’ é inatingível”.
E nessa frustração só resta, portanto, sublinhar o próprio tempo, sob a ruína do palácio.
Wirth introduz-nos um primeiro momento de espelhos que distorcem o espaço. Os reflexos da primeira sala surgem-nos como que uma liquefação espácio-temporal. Engolidos pelo vórtice da memória de um lugar feito de fragmentos, estórias, personagem imemoriais, os espelhos, em vez de nos devolverem o assombro narcísico da nossa imagem, devolvem-nos o que realmente está à nossa volta: a distorção, a deformação a acontecer por força do tempo.
Miguel Branco expõe uma série de insetos radiografados. Uma luz mística revela o interior, o esqueleto de que são feitos. As ramificações de quitina nas asas, os desenhos, as composições vagamente geométricas e simetria. As traças remetem-nos para a noite à luz de um candeeiro solitário; o bater de asas nervoso em direção a uma luminosidade ansiada.
Huey apresenta duas instalações: uma construção cujas paredes são registos de diários entre ’58 e ’63 e o revestimento de uma sala com papel de parede de fotografias de uma criança. A primeira peça deixa o espetador aceder ao lugar edificado onde as memórias registas do quotidiano repousam. As anotações mais prosaicas colam-se ao lado das mais marcantes. O diário regista a absurdidade da vida, as mutações repentinas dos dias, a imprevisibilidade que perpassa a previsibilidade: diversão depois morte, lazer depois trabalho. A rotina exposta na sua absoluta clareza: leve em relação aos grandes e impercetíveis desígnios do universo. A última obra é exteriorização e objetificação da alma de um espaço habitado, neste caso, o habitante é uma criança, um jovem rapaz captado com registos fotográficos em vários estados de humor. Rodeados, desde o rodapé até à cornija do teto estucado, por uma presença, de termos entrado num domínio privado, mirados por dezenas de olhares ciclópicos – o desassossego é palpável.
O que cada artista acaba por revelar é que esta casa, este palácio – qualquer casa e qualquer palácio – é um lugar de afetos. A posição primordial do homem no mundo e base de muitas memórias. A memória de uma casa é a memória de todos os que nela habitaram – um meta-universo por desvendar, de geometrias incertas; escrita da cosmogonia de cada um.
«Je dis ma Mère. Et c’est à vous que je pense, ô Maison!
Maison des beaux étés obscurs de mon enfance.
(Mélancolie)»
«La terre et les rêveries du repos», O. V. de Milosz.