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Penelope Curtis

Fotografias: Nuno Gervásio.

A atual diretora do Calouste Gulbenkian Museum, Penelope Curtis, chegou a Lisboa em 2015, após ter estado cinco anos à frente da Tate Britain em Londres. Nesta entrevista falou-se naturalmente de museus e da instituição que dirige, mas quisemos também saber o que pensa sobre Lisboa, a arte e o contexto artístico nacional.

Sandra Vieira Jürgens – Antes de mudar-se para Lisboa, onde veio dirigir o Museu Calouste Gulbenkian, esteve cinco anos no cargo de Diretora da Tate Britain em Londres. Tem saudades da cidade e do país?

Penelope Curtis – Normalmente não (risos). Acho que para viver, Lisboa é mais bonita do que Londres. Graças ao seu tamanho posso facilmente ir a pé ver coisas. Gosto da maneira como as pessoas vão às compras e comem nos restaurantes – é, de facto, tão mais agradável. Portanto, a única coisa que ocasionalmente me faz falta é a maior diversidade no mundo artístico.

SVJ – Está em Lisboa desde 2015 – como está a ser a experiência para si?

PC – Lisboa já mudou bastante, durante o ano e meio que estou aqui. Acho incrível o ritmo da mudança. Quando cheguei, houve artistas que me disseram que cheguei demasiado tarde. Não vi a velha Lisboa, a do passado. Disseram-me que já fecharam os bons restaurantes e também as melhores livrarias e cafés. Parece-me ainda haver uma imensidão de coisas bonitas, apesar de poder testemunhar a maneira como os turistas vindos de fora, os imigrantes e expatriados e o investimento imobiliário estão a mudar tudo. Não paro de ouvir esta conversa sobre os benefícios e prejuízos que possam estar a causar.

SVJ – Quais são os maiores contrastes entre Lisboa e Londres?

PC – Claramente a diferença de dimensão, o que faz com que as coisas aconteçam de forma muito mais espontânea aqui, enquanto que em Londres tudo é por marcação, com antecedência no mínimo de um mês, talvez dois ou três… Aqui pode acontecer em um dia ou dois, o que acaba por ser bastante revigorante. Essa para mim é a maior diferença.

SVJ – Qual é a sua perspetiva do meio artístico em Portugal, e da sua arte?

PC – Essa é uma pergunta bastante complexa! Bom, eu considero-o bastante vibrante, além de muito solidário. Pessoalmente, a comunidade artística apoiou-me imenso, e acho que aqui há muitos bons artistas. O que me faz alguma impressão, vinda do Reino Unido, é a sua relativa insularidade. A grande maioria das galerias expõe artistas portugueses e gosto disso, mas também pode ser problemático, uma vez que a conversa acaba por ser essencialmente local… Suponho que o que mais me cansou em Londres foi a maneira como a arte se estava a tornar um investimento cada vez maior para grandes compradores ou colecionadores importantes, enquanto aqui é quase o contrário. Portanto, existe um verdadeiro diálogo, afastado dos interesses comerciais. Por um lado é bom, pois as pessoas e os artistas podem facilmente ver e discutir o seu trabalho, o que torna o processo mais dinâmico, mas devido ao seu fraco potencial comercial, só pode dificultar a vida dos artistas.

SVJ – É possível comparar as duas realidades, o contexto artístico britânico/internacional e o português? Quais são as maiores diferenças?

PC – Na minha opinião, Londres não só deixou de fazer parte unicamente da Inglaterra, como se tornou numa cidade internacional onde um enorme número de pessoas não residentes investem em arte. Portanto, o crescimento do mercado londrino da arte contemporânea, nos últimos dez anos, tem sido extraordinário. É espantoso a quantidade de pessoas que vêm de fora e que apoiam as artes e que por isso vivem em Londres. Pode ser que o mesmo comece a acontecer aqui. Se isso é bom ou mau, é discutível.

SVJ – Há um ano e meio foi nomeada diretora do Museu Calouste Gulbenkian. Pode falar-me das diferenças entre o museu de hoje e aquilo que encontrou à sua chegada? Quais foram as maiores transformações?

PC – Bom, coube-me a mim implementar uma fusão bastante rápida dos dois elos (o Museu Gulbenkian e o CAM), mais depressa do que o previsto, e nesse sentido todos tiveram que trabalhar arduamente no espaço de doze meses para unir duas equipas, que não estavam habituadas a trabalhar juntas, além de tentar sintonizar o diálogo entre duas coleções distintas. Sendo o nosso objetivo criar um museu único, teríamos que nos encaixar melhor. Lançámos recentemente a nova programação, que tenta equiparar as duas coleções e também fazer uma série de exposições com obras recentes e outras mais antigas, levando os artistas contemporâneos ao encontro da coleção histórica, mantendo ao mesmo tempo um projeto dinâmico com jovens artistas.

PC – Portanto, é uma questão de tentar criar um equilíbrio sustentável e também de consolidar o nosso público. Dantes algumas pessoas visitavam a coleção moderna e outras a coleção do fundador, mas raramente frequentavam ambas. A nossa ambição é uni-las mais.

SVJ – Na sua opinião, qual é o assunto mais urgente ou problemático que ainda está por resolver?

PC – Existem considerações importantes que estão fora do meu âmbito. Penso que, devido à sua natureza, a Fundação Calouste Gulbenkian foi obrigada a questionar o seu papel atual e a modernizar a sua posição, já que a realidade de hoje tem pouco a ver com a do momento da sua criação. Assim, acho que a grande questão no futuro vai ser, o que a Fundação pode vir a ser, não só em Portugal, mas também no mundo inteiro.

SVJ – No que diz respeito às coleções do museu, acha que existem lacunas?

PC – São coleções muito distintas. Existem imensas lacunas na coleção do fundador mas não podemos mudar isso, porque a coleção é dele e está fechada. O que parece estranho para mim, é que a coleção do fundador parece estar completa e ter um âmbito universal, e não é assim. Existem vastas áreas do mundo e da história que não foram contempladas, mesmo que comece com o antigo Egito.

E depois, no caso da coleção moderna, para mim significa trabalhar de maneira perspicaz com uma coleção essencialmente portuguesa, mas não só. Como desenvolver os internacionalismos da arte portuguesa, porque tantos artistas formaram-se e trabalharam em Londres ou Paris ou agora Berlim. Como abordar com inteligência o colonialismo, ter em conta Angola e Moçambique, para não falar do Brasil. A meu ver, comprar arte contemporânea não é o problema, até é fácil. Para mim, trata-se mais de saber como comprar retrospetivamente, ou seja, melhorar a coleção relativamente ao princípio do século XX, para que seja mais representativa e mais abrangente. Nos primeiros anos, a coleção foi adquirida quase ao acaso, e de outras formas refletia as prioridades da Fundação que não tinham que ver necessariamente com questões estéticas, mas com boas causas ou com  caridade, ou geografias como o Iraque e a Grã-Bretanha. Resumindo, considero que, se existem lacunas, temos que olhar mesmo para o passado. Temos bastante trabalho pela frente.

SVJ – Quais são as práticas que um museu do século XXI deve adotar, como e porquê?

PC – Eu não considero todos os museus iguais, por isso não existe uma única resposta. A nossa mais-valia é a coleção que temos, tão soberbamente internacional. Compreende peças do Médio Oriente, uma região hoje tão importante em termos da sua geografia política. Podemos pensar sobre isso e encontrar uma forma de atualizar as nossas coleções. Até mesmo a maneira como pensamos nelas. Neste momento, temos planeada a celebração do Novo Ano persa, numa tentativa de dar a conhecer as nossas coleções a estas novas pessoas que estão a chegar a Portugal, e de alguma maneira refletir sobre o novo quadro demográfico do país. Para nós, a questão é a de aproximar o museu do século XXI e ser mais relevante no mundo em que vivemos. Não queremos refletir os gostos elitistas de uma coleção reunida no início do século XX, mas sim contemplar como isso hoje reverbera de forma inusitada.

SVJ – Está de acordo com a opinião de que os museus devem funcionar como centros comunitários ou escolas de arte?

PC – Penso que até certo ponto, alguns museus já funcionam como escolas de arte, enquanto há escolas de arte em vias de se tornarem museus, como é o caso da Royal Academy ou da École de Beaux-Arts em Paris. O V&A começou efetivamente como escola ou núcleo de formação, portanto não é nada de novo.

Ser centro comunitário, também pode acontecer de várias maneiras. De momento estou a trabalhar com pessoas que vivem no raio de um quilómetro do Museu Gulbenkian, pessoas que cresceram com o museu nos últimos cinquenta anos. Existe uma comunidade ao nosso redor que durante duas gerações usou o museu como centro comunitário ou o jardim como ponto de encontro. Portanto, isso já aconteceu. Acho que para muitos museus é importante poder garantir a sua disponibilidade para todos, onde todos se sintam bem-vindos, e não só os que se consideram nascidos para frequentar este tipo de sítio.

SVJ – novas gerações precisam de novos géneros de museus?

PC – Eu diria sim e não. Diria que os velhos museus não fazem nada de mau, cada vez mais são os museus que não se transformaram que nos encantam. As pessoas adoram visitar o Museu Geológico aqui em Lisboa precisamente porque nunca foi modernizado. Respira-se um ambiente que torna o espaço único. Por outro lado, isso pode ser uma espécie de limitação. Em termos de conhecimento e apresentação, acho importante manter-se atualizado. É precisamente este o desafio que nós temos, porque o nosso belo museu está algo parado no ano de 1969, e foi preciso modernizar e atualizá-lo. É caso para dizer que é uma questão de variedade. Grandes museus como a Tate Modern aumentaram enormemente o número de visitantes, porque dão a sensação de oferecer algo gratuito, acessível e fácil. Não acho que tenham mudado particularmente a maneira como as pessoas veem a arte, nem quem são essas pessoas. Muitos são os que vão lá só para usufruir de uma experiência, e mais nada. Nem penso que tenham tido um impacto significativo no número de pessoas interessadas em ver arte. A esse respeito, pode dizer-se que as velhas maneiras de fazer as coisas são as melhores. Estas atrações turísticas são concebidas como espaços públicos. As pessoas gostam disso, e sempre gostaram, seja dentro de uma enorme estação ou num grande armazém ou num museu. Portanto, os museus estão a adotar estratégias já comprovadas em outros contextos. Só que muitas vezes estes espaços estão divorciados da experiência de contemplar arte.

Investigadora integrada do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, é doutorada pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (2014), licenciada em História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (1997) e pós-graduada em História da Arte Contemporânea pela FCSH-UNL (2000) e em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação pelo ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (2003). Concebeu, dirigiu e editou a Artecapital, foi editora da Número Magazine (2001) e da revista Artes & Leilões. Fez crítica de arte nas revistas Arte y Parte (2001-2007), Pangloss (2004) e L+Arte (2005-2007), mantendo colaboração permanente na Arq|a - Arquitetura e Arte e Stratosphere. Professora universitária, participa frequentemente em conferências e seminários em muitas instituições culturais e universitárias e dirige a publicação online Wrong Wrong e a plataforma digital raum: residências artísticas online, projectos da associação Terceiro Direito. Integra a secção portuguesa da AICA (Internationale Association of Art Critics) desde 2006.

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