Carpe Diem Arte e Pesquisa
“O palácio é o ‘senior curator’ e os curadores e os artistas residentes são os seus assistentes”
Sempre fui uma frequentadora assídua do Carpe Diem Arte e Pesquisa (CDAP). Em cada nova exposição o prazer de olhar e pensar sobre as propostas dos vários artistas que após um intenso diálogo com o Palácio — onde nasceu Marquês de Pombal —desvendam a relação que com ele mantêm ao longo das suas residências. Uma relação orgânica entre curador, artista, espetador e um invólucro histórico do século XVII.
Os artistas encontram no Carpe Diem uma estrutura fértil para experimentar ideias e na sua tónica está a liberdade criativa em se relacionarem com um edifício do século XVII com o objetivo de produzir uma obra adaptável numa lógica palace specific como a definem. Na maior parte dos processos é imprescindível a permanência dos artistas no espaço entendendo-o nas suas limitações e mais valias. O programa curatorial passa sempre por esta relação entre artista e edifício como se o Palácio fosse um organismo vivo. Segundo Gabriela Vaz-Pinheiro escreve no livro Curadoria do Local, Algumas Abordagens da Prática e da Crítica “o considerável avanço levado a efeito pelas formas site specific do minimalismo e dos discursos que as apoiaram nos anos 60, é inegável. Foi a razão ela mesmo do termo site-specifity”. Na análise que Rosalind Krauss faz da localização de obras de arte fora dos espaços das galerias a partir dos anos 70 no livro Sculpture in the Expanded Field in The Originality of the Avant Garde and Other Modernist Myths, introduz a ideia de “campo expandido” e oferece uma crítica da justificação historicista da localização da obra de arte.
Movimentamo-nos mecanicamente de acordo com o modernismo e uma estrutura palaciana do século XVII obedece a um protocolo ao qual a maior parte dos artistas e público não estão habituados a lidar. Segundo Lourenço Egreja, diretor artístico do CDAP, “ninguém entrava num palácio da mesma forma que hoje, as pessoas eram carregadas por um coche ou por um andor. O meu discurso curatorial é procurar o protocolo antigo através da arte e fazer com que os artistas dialoguem com o papel de parede, com os estuques, cheiro, luz, temperatura e com o que resta dos azulejos. Pretendo que o descodifiquem e o tornem na sua arte”. Consoante Lourenço escreveu em 2010 num texto publicado no site do CDAP, “o Palácio obriga assim a um questionamento sobre um modus operandi consciente ao nível da preservação do património ao mesmo tempo que se desenvolvem novas linguagens transversais na arte contemporânea (…) O palácio é o ‘senior curator’ e os curadores e os artistas residentes são os seus assistentes”.
Salon de Múltiplos
O Carpe Diem tornou-se mais complexo, já não só faz exposições, como produz edições, como tem uma cafetaria e uma sala de múltiplos que nela tem expostas 120 obras que cobrem a totalidade das paredes. Trata-se de edições resultantes da experiência dos artistas no palácio, que passam dois ou três meses no edifício e após a exposição montada produzem uma nova imagem que é doada ao CDAP. A proposta surgiu em 2010 aquando do 5º Programa de Exposições (junho-setembro), altura em que Paulo Reis (professor, curador e fundador do CDAP) propôs ao artista Rodrigo Oliveira a criação de uma peça a partir da qual se fariam 30 múltiplos. Posteriormente concorreram a uma bolsa da Direção-Geral das Artes de apoio à internacionalização, ganharam e começaram por fazer um tour por sete cidades. Foi lá que encontraram parceiros que receberam a exposição das edições. “São normalmente exibidas em vários espaços, desde galerias de arte a ateliers de arquitetura, a casas privadas. Uma boa forma de dar a conhecer os artistas portugueses lá fora”, explica Lourenço. Já expuseram em Barcelona, La Coruña, Madrid, Bruxelas, Londres, Berlim, Nova Iorque, Washington, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Buenos Aires e Estocolmo. Em Londres e Nova Iorque fizeram a exposição numa casa privada e em Estocolmo numa livraria de arte. Posteriormente as peças são vendidas. Existem 30 edições para venda mais três provas de artista, duas para o criador e uma para o Carpe Diem. Têm uma dupla de colecionadores no Brasil, que tem a coleção toda, e um português que comprou tudo mas prefere manter-se anónimo.
Do Palácio Pombal para o Palácio Amarelo
O Palácio que outrora encerrava uma mostra significativa de propostas artísticas e diferenciadas dos demais lugares da arte contemporânea nacionais, desde janeiro deste ano que teve novamente que se reinventar. O CDAP viu os seus 1. 2000m2 (dois andares + cave) reduzidos para cinco salas de exposição, 25m2 cada. Tal fator deveu-se a uma decisão comunicada por Joana Gomes Cardoso, presidente da EGEAC reiterando a necessidade de chamar novos públicos ao Palácio, criando assim mais atividades. Os restantes 75% são atualmente ocupados pelo Teatro Maria Matos, galerias municipais, exposição da Trienal de Arquitetura e demais eventos como por exemplo a festa da feira de arte ARCOlisboa. Foi devido a estas contingências que o Carpe Diem passou a ter um novo objetivo, programação do Palácio Amarelo em Portalegre, onde trimestralmente a arte contemporânea transita do Palácio Pombal até um público pouco familiarizado com estas propostas. Lourenço acha fascinante “poder expor em Portalegre artistas que nunca haviam exposto nesta cidade”. O futuro é agora e o Carpe Diem, apesar das atuais contingências a nível de espaço estendeu a sua arte a uma nova cidade, a um novo Palácio e a um novo público!