Mimata: a aposta criativa de Joana Mieiro
O luxo é uma questão contextual, sociológica e historicamente possibilitada. Vai assumindo diferentes formas e manifestações, inscrevendo-se em diferentes campos da vida. Há cerca de um ano, numa edição do El País defendia-se a ideia de que o pão de elevada qualidade corresponde a um luxo actual a que todos podemos aceder em tempos de crise. Sociologicamente, o luxo será algo que nos permitimos obter por ser de superior qualidade a lugares comuns, não significando que tenha que ser de preço elevado. Trata-se de uma forma de distinção próxima da abordada por Pierre Bourdieu em La Distinction, critique sociale du jugement (1979). Trata-se de uma teoria sociológica sobre o gosto associado a estilos de vida. Por esta via e numa outra plataforma social e económica, o luxo pode inscrever-se e.g. na cozinha e na restauração, em tipos de desporto, na compra de automóveis topo de gama, de obras de arte e de jóias. Quanto à joalharia, associamos o luxo a ouro, platina e pedras ditas preciosas. Será o que vemos através da marca Mimata.
Joana Mieiro inaugurou o espaço Mimata em 2013. Situa-se no Porto, na rua de Cedofeita. Antes, existia já um esboço da marca. Era, como diz com limpidez e humor, um espaço itinerante, através do qual estabelecia contactos entre projetos, execução de peças e divulgação. Agora, sendo uma jovem marca centrada na joalharia, já se demarca pela diferença morfológica.
Joana Mieiro estudou arquitetura na Escola Superior Artística do Porto, e design na Universidade de Aveiro. Começa a esboçar-se a sua inclinação para a joalharia. Marcou passagem pela pós-graduação em Design de Joalharia na Universidade Católica do Porto. Aí estudou teoria e projeto desta área, assim como aspetos técnicos que dão apoio à execução de peças de joalharia. Em 2011 seguiu para Milão com uma bolsa para a participação no programa de estudo organizado pela Creative Academy, escola criada pelo Grupo Richemont, concluindo o programa com um estágio na icónica marca de alta relojoaria Jaeger LeCoultre.
Destaca-se também o que recebeu sobre Peter Behrens, a Bauhaus e Dieter Rams, como percursores da profissão de designer, o que se efectivou na escola alemã de Ulm. Com estes, a limpidez morfológica do design havia de responder à responsabilidade de um designer que, na altura, não assumia natureza autoral.
A palavra contemporâneo/a tem dois sentidos. De um lado, indica alguém ou algo, como tipos de design, que existem em simultâneo connosco, ou que coexistem e ganham sentido num dado contexto. De outro lado, a arte contemporânea rompe continuamente tradições, como já dizia Walter Benjamin. Entre estas formas está a designada joalharia contemporânea, cuja natureza é artística. Estas peças tem sentidos simbólicos incorporados e transfiguram meios em conteúdos simbólicos que comunicam connosco de modos inesperados. Não é fácil compreendê-la sem ter em conta as identificações e as intenções de cada joalheiro. É o que também vamos ouvir de Joana Mieiro.
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Ana Campos – Onde situa o que cria para a Mimata, na arte ou no design?
Joana Mieiro – No design. Mas as fronteiras entre arte e design estão cada dia mais diluídas. Não é fácil separar com clareza. Para mim, o design corresponde a uma forma que adotei para pensar o projeto. Inter-relaciona o design das próprias peças, o qual se vai conjugar com a sua execução, e o design de comunicação. Este subdivide-se, já que a joia é um meio que comunica o que queremos ser. Associa-se ao projeto Mimata através da imagem comunicativa e do espaço interior. Trata-se também do modo como pretendo comunicar através do site, da fotografia, de catálogos e/ou das embalagens das peças. O curso de design de Aveiro ajudou-me a entender estes aspetos, já que é transversal ao design no seu lato sensu. De qualquer modo, ler uma imagem exigiu depois que adquirisse mais vocabulário.
AC – Há uma pergunta clássica que se faz sempre em situações como esta: em que se inspira e o que influi no seu trabalho?
JM – Sou muito terra. A minha avó lembra-me espaços do seu jardim e da natureza. Influem nos meus projetos. As peças são ligadas à terra, mas também aos astros, à lua, ao sol… Foi a minha avó quem criou o nome desta marca. Mimata vem de mimo. Trata-se de um mimo que damos a nós mesmos ou de algo para conquistar alguém. Toda a minha família colabora diretamente no projeto Mimata. O meu pai incentiva-me e continua a colaborar comigo até hoje. A minha mãe interessa-se por arquitetura e é colecionadora de arte, pode dizer-se. Ambos são médicos, mas há alguns arquitetos na família. Domingos Júnior, um dos professores que tive na ESAP, ainda me influencia pelo modo como nos ensinava a descobrir, a pensar por nós mesmos e a descobrir o nosso caminho, considerando que uma questão nossa já diz algo daquilo em que nos concentramos. De resto, isto coincide, em grande parte, com a atitude do meu pai. Incentivava-nos a tomar consciência de nós próprias.
AC – O design das peças da Mimata demarca-se pela diferença morfológica em relação a outras marcas internacionais. A meu ver, em algumas há aspetos arquitetónicos, no lato sensu da palavra. Há construções com eixos estruturais, há alguma espécie de gelosias, às vezes em filigrana e outras em aberto, há também um stone design que permite transparências, como se tratassem de clarabóias. A visibilidade, entre interior e exterior conjuga-se, trazendo surpresas. Está de acordo?
JM – Há coleções em que isso é mais visível. Sobretudo nas peças Moon, as pedras permitem também transparências do exterior para o interior. Em certos casos, estão assentes em folhas de metal polidas – ouro ou prata – o que é uma técnica antiga que realça a luminosidade, brilho e transparência. Nas peças Rome, uma estrela não exatamente geométrica, funciona como rosácea associada a quartzo fumado. O anel Rome permite visibilidade entre interior e exterior ou o inverso.
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São aspetos como estes que tornam as suas peças intrigantes e duradouras em termos de observação! Nunca acabamos de ver uma peça Mimata, sem a girarmos em diferentes direções.