(Português) Ponto
Palavras, leva-as o vento, diz o ditado. Aos atores que pisam o palco do Teatro Nacional D. Maria II, leva-as o sopro de Cristina Vidal, noite após noite, há 25 anos.
É a velha história das profissões invisíveis: o secretário por trás do presidente, o poeta por trás das canções, o operador de câmara por trás das reportagens.
Isto claro se estivermos a falar da visibilidade do indivíduo perante os outros, e não da visibilidade do seu trabalho. Dessa perspetiva, a bem ver, quase todas as profissões são feitas de agentes bastante invisíveis, desde o atendedor de chamadas do 112 ao construtor civil, do perfumista ao designer gráfico. Porque o teatro português tem insistido nesta linha de interesse focada na própria atividade, este parece ser um tema caro fácil de perceber: afinal, apenas os atores estão nos cartazes espalhados pela cidade, e no palco, no momento dos aplausos. É que nemo encenador…
Num mundo de egos e protagonistas, Tiago Rodrigues resolveu trazer para as luzes da ribalta a profissão em vias de extinção que ajuda os atores a lembrarem-se do texto: a de ponto.
E então, porque o teatro também tem insistido no quebrar das fronteiras entre ficção e realidade, Cristina Vidal sai da caixa (que a tecnologia substituiu por auriculares) diretamente para o palco, para preconizar a figura de antiprotagonista. Discreta e resiliente, atua como a aranha tecendo a teia do espetáculo, controlando a posição dos atores e o cumprir das falas e das didascálias do guião seguido a preceito. Ensaia-se Berenice de Racine, As Três Irmãs de Tchékhov, Antígona de Sófocles, O Avarento de Molière, Dinis e Isabel de António Patrício.
Curiosamente, a peça não foi concebida para a casa de Cristina, o Teatro Nacional D. Maria II, mas sim para o Cloître des Carmes em Paris, espaço de eleição do Festival de Avignon, em 2017. No final desse ano foi então apresentado no D. Maria II, ao qual regressa agora, de 11 a 19 de janeiro.
Sopro pretende ser uma homenagem ao teatro e àqueles que o fazem, com destaque para a atividade que depois de Cristina Vidal, com 40 anos de carreira, e de João Coelho – importante nomear para que o objetivo da peça se faça cumprir – estará extinta em Portugal.