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Ana da Silva e Phew

Linguagem Entre Ilhas

Um concerto absolutamente memorável, levou parte da audiência à emoção, apesar de ser apenas o segundo concerto da dupla. Cinco dias antes haviam tocado em Londres e de seguida viajaram para a ilha da Madeira para apresentar Island: um álbum editado pela Shouting Out Loud e concebido entre duas ilhas, Reino Unido e Japão. Ana da Silva nasceu na Madeira e é cofundadora da mítica banda punk The Raincoats, Hiromi Moritani aka Phew (vocalista, performer e sound artist) chega de Tóquio e também ela pertenceu à cena punk, tendo tocado em várias bandas, entre elas Aunt Sally.

Island foi concebido entre várias trocas de e-mails, numa partilha de palavras e de sons entre dois idiomas. Com o cd na mão olho para a dedicatória de ambas: o Olá de Ana e o Konnishiwa de Phew.

Island foi criado em duas partes distintas do globo. Como é que vocês se conheceram e como é que foi o processo de criação deste álbum?

Phew – As The Raincoats tocaram em Tóquio por volta de 2010, acho. Atuei no mesmo evento e foi a primeira vez que nos encontrámos. Depois disso, viajei até Londres para tocar em 2016 e a Ana esteve presente. Foi a partir daí que começámos a amadurecer essa ideia, trocando emails. O processo foi divertido e positivo.

Ana da Silva – Foi extremamente divertido porque a Phew decidiu mandar-me uma nova música, que me apanhou totalmente de surpresa e que me agradou pela positiva. Depois foi a minha vez e assim sucessivamente.

A vossa música reflete amizade e isolamento. Qual a razão para terem escolhido estes temas?

Phew – São inspiradores.

Ana da Silva – Não os escolhemos, foram eles que vieram até nós. Venho de uma ilha, a Phew também, eu moro numa ilha e ela também. Foi por aí que começámos a refletir sobre o conceito de ilha, isolamento…

E agora chegam a uma ilha para apresentá-lo. Estão felizes com este regresso?

Ana da Silva – Sim! É precisamente o que queríamos fazer e termos recebido este convite foi maravilhoso. Há mais de 10 anos que não vinha aqui. Não sei porquê. Além disso, tendo em conta que o álbum se intitula Island, pensámos em fazer uma tour pelas ilhas. (sorriso)

E como é que tem sido este regresso à ilha? Já alguma vez tocaste na Madeira?

Ana da Silva – Toquei com os The Raincoats em meados dos anos 90 e agora com este novo projeto. O nosso álbum saiu no final de setembro e tocar no MADEIRADiG pareceu fazer todo o sentido.

Ambas moram em ilhas e ambas vieram da cena punk, e o punk abre portas para a esfera feminina. Agora que o feminismo voltou a estar em voga, com todas as questões em torno do género, que diferenças notam tantos anos depois?

Ana da Silva – Bom! Há agora muito mais espaço para as mulheres fazerem coisas e reparei que o MADEIRADiG também convidou muitas mulheres artistas e, por alguma razão, muitas parecem apreciar eletrónica. Não sei exatamente o porquê. Só sei que gosto disso. As coisas estão um pouco mais abertas. Mas, sabes, mesmo no final dos anos 70, quando criámos as nossas bandas, fizemo-lo e sobrevivemos nesse mundo. Só tinhas de lutar um pouco mais do que agora.

Como é que passaram do punk para a eletrónica experimental?

Ana da Silva – Acho que na eletrónica podes fazer qualquer tipo de música e expressar qualquer atitude.

Phew – Designo-a como experimental por ser uma experiência. É uma experiência para os dois lados, para o público e para o músico. É um conceito diferente.

É mais complicado do que o punk?

Ana da Silva – Bom, encaro o punk mais como uma atitude, tendo também uma vertente política. Acho que ambas tivemos essa experiência. É simplesmente uma atitude diferente e acho que trouxemos essa atitude para a música que fazemos atualmente. Embora pareçam coisas muitos diferentes, a semelhança está na forma como lidamos com isso.

Ainda se consideram punks?

Ana da Silva – Sim, de certa forma. É sempre bom ter mente aberta. Não afirmo isto por ser punk ou algo do género, mas ainda faço umas brincadeiras com as The Raincoats e adoro.

Vocês criaram um novo idioma neste álbum, entre o português e o japonês. Criaram um novo código ou este novo idioma é precisamente esse novo código?

Phew – Sim. Bom, quando não falamos muito bem uma língua, nasce outra língua. Estou a tentar aprender português e a Ana japonês. Nós não criámos a linguagem. Simplesmente seguimos em frente.

Ana da Silva – Além disso, temos também de ter em consideração a comunicação entre diferentes culturas e o facto de ser possível estabelecer esse laço comunicativo, mesmo quando provimos de diferentes culturas. Ser japonesa é algo bastante diferente: a língua, o modo de pensar, as tradições. Tudo é muito diferente. Mas acabamos por comunicar muito bem através da música. A música tem sido a nossa língua.

A linguagem é um vírus?

Ana da Silva – A música é o vírus, um bom vírus.

Como é que se sentiram após verem o resultado de todo esse trabalho?

Phew – Sinto que ainda somos adolescentes, mas que podemos continuar a evoluir.

Ana da Silva – Usamos ao vivo apenas alguns sons, pois não podemos replicá-los a todos no palco. Então acabamos por criar outros sons. Se não o fizéssemos, seriam demasiadas coisas para gerir e gostamos de improvisar.

Fica evidente que parecem duas crianças a mexerem com brinquedos e a divertirem-se imenso. Essa sensação é nítida e acabam por passar essa energia para o público.

Ana da Silva – Sim, é verdade. Quando a Phew ficou no meu apartamento em Londres, fomos ensaiar e experimentar coisas na sala de estar. Mas, ao vivo, as coisas são muito diferentes. Sabíamos como fazê-lo, mas eu dizia à Phew: “se fizéssemos 10 concertos destes, ao décimo haveria uma diferença”.

Phew – Toda a gente adorou em Londres. No final do concerto, o público ficou totalmente satisfeito com a experiência.

Como é que tem sido a vossa experiência no MADEIRADiG? Já tinham estado no Festival?

Ana da Silva – Não, é a primeira vez. É absolutamente incrível, fantástico e luminoso. Tem bastante variedade e é bom estar aqui, na Ponta do Sol. Ainda não saímos daqui e nem temos vontade de fazê-lo!

Começou no jornalismo e ao longo dos anos tem feito vários cursos de arte contemporânea, entre os quais Temas da História da Arte do Século XX (Fundação Serralves), workshop de Curadoria na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, Estética (Ar.Co) e História da Fotografia na mesma Instituição e uma Pós-Graduação em Curadoria na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É membro fundador e diretora da revista Umbigo, criada em 2002, com a qual desenvolveu vários projetos curatoriais, entre eles a exposição Entre Limite e a Audácia de Miguel Palma na galeria Fábulas, The Difference de Andrea Splisgar no Palácio de Santa Catarina, a exposição Pieces and Parts na Plataforma Revólver, Lisboa, Pierre Barbrel – Dissociation no Espaço Camões da Sá da Costa, Robe de contact (lys) do artista Jean François-Krebs na Galeria Sá da Costa. Em 2023 fez a curadoria das exposições Unwinding de Theodore Ereira-Guyer e Sam Llewellyn-Jones na Galeria Sá da Costa e A Face is a Mask... de Pedro Valdez Cardoso na Brotéria. Foi júri e curadora da Exposição de Joalharia Contemporânea On the Other Hand, comemorativa do 5º aniversário da PIN (Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea), na Galeria Reverso (Lisboa), Galeria Adorna Corações (Porto) e no Simpósio Gray Area na Galeria Medellein (Cidade do México). Em 2018 foi júri do prémio ENSA Arte em Luanda. Também para a revista Umbigo coordenou a edição do livro Coordenadas do Corpo na Arte Contemporânea, uma coleção que reúne um ensaio de Bárbara Coutinho e diversos trabalhos artísticos, muitos deles desenvolvidos propositadamente para o livro, num conjunto de trabalhos que representam uma pequena amostra das preocupações filosóficas e estéticas de um grupo de artistas. Em 2018 juntamente com António Néu (diretor de arte da revista Umbigo) criou a Plataforma UmbigoLAB, uma rede de networking para artistas que promove a sinergia entre estes e os agentes do meio (curadores, diretores de museus, galeristas, colecionadores e instituições).

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