DIÁRIOS DO UMBIGO

  • none

Nem sei bem porque é que decidi parar em Port Barton. Quem chega a Palawan – votada melhor ilha do mundo por certo estudo – é quase obrigado a ir a correr para El Nido e, os mais cool ainda, daí para Coron. Só que hordas de turistas e sítios da moda nunca me fizeram ter muita pressa e portanto vamos mas é parar nesta vilazinha insuspeita.

Port Barton são três quarteirões de terra batida à beira-mar onde a electricidade só chega entre as seis da tarde e a meia-noite, quando chega. Nas ruas recebem-nos crianças a correr descalças e dezenas de cães vadios que nos passarão a seguir para todo o lado depois das primeiras festas.

PortBarton-2

As opções para dormir são cabanas tradicionais filipinas e mais nada. A diferença de preços serve para luxos como ter lavatório ou autoclismo, é só. Resorts, piscinas, banana boats, bares de cocktails: nem vê-los! Tal como não há tuk-tuks e vendedores de todo o tipo de bugigangas para turista aborrecido. Primeiro ataque de boquiabertismo e certeza: temos que ficar aqui!

Não sei como é com as pessoas que sabem coisas, mas eu fui-me convencendo que sítios destes sem turistas já não existiam para eu ver. Mas destes quê, perguntam impacientes. Destes em que parece que fomos nós a descobrir aquela praia, aquele pescador, aquele caminho. Destes em que ainda não há camisolas de manga cava I love tudo. Destes em que as selfies e os bicos de pato não existem porque não há sequer luz, quanto mais pitas.

Aqui os afazeres são duros e muito variados: ora snorkeling entre recifes e tartarugas, ora descobrir cascatas e praias desertas.

À noite nadar com plâncton luminoso ou trocar conversas em silêncio, à luz da lua.

A verdade é que nada disto que digo é Port Barton que chegue.

PortBarton-3

Como é que o paraíso há-de ser ir à praia? Não gosto de praia sequer, sou demasiado branca e impaciente para isso. Mas ir pelo meio da selva, passar aquela barraca de esquina cheia de crianças que correm a pedir-nos bananas, embrenhar pelo mato até quase se desistir do caminho e de repente numa curva levar de chapada com uma baía impossivelmente azul, uma linha de palmeiras a perder de vista e o melhor, claro, as pessoas. As pessoas que não estão lá. Nem uma. E lá fico eu de boca aberta outra vez.

Em Port Barton esquecemo-nos do tempo, as horas são marcadas apenas pelas refeições no Gacayan, uma tasca verde fluorescente onde prato do dia mais bebida custa menos de €1. Há que dizer que a cozinha filipina não vai deixar saudades, tudo é frito e arroz mau. Mas o Gacayan tem uma ceviche que me põe a sonhar com a América Latina: peixe cru marinado em lima, malaguetas com fartura, cebola e pimentos, senhores, até ao pequeno-almoço marcha.

PortBarton-4

De repente apercebemo-nos que andávamos a arrastar os dias por Port Barton há mais de uma semana e nem nos atrevemos a falar nisso para não estragar. Em pacto silencioso decidimos que as nossas Filipinas vão ser isto, que melhor não pode haver. Vemos as minivans seguirem para El Nido, cheias dos turistas que nem quiseram parar e voltamos a espreguiçar-nos no paraíso só nosso, boquiabertos ainda e sem pressa nenhuma para ver o resto do mundo.

* Este texto não é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

ARTIGOS RELACIONADOS

Diários do Umbigo

Newsletter

Subscreva-me para o mantermos actualizado: