com Emmanuel Lubezki e The Revenant.
“The director of photography is often called a painter, and his canvas is the screen. His “brush” are the actors, the lights, the location, the set, the props, etc.
A cinematografia (direcção de fotografia) num filme muitas das vezes passa de forma desapercebida pelas nossas mentes! É evidente que para a maioria dos seres humanos, a luz, é algo completamente banal e frequente, sendo a luz algo natural, o nosso cérebro desvia a atenção para pormenores menos evidentes e menos habituais. A nossa mente funciona também assim, porque maioritariamente as obras cinematográficas recriam uma dita luz natural, inspirada no nosso dia a dia, e quando esta é bem feita, raramente percebemos a sua presença. Por consequência há um certo desconhecimento em relação à sua influência e relevância na narrativa.
Uma das tarefas mais complexas do cinema, é saber contar, bem, uma história, este é um dos compromissos a que o director de fotografia se tem que apoiar para criar uma luz que se adeqúe e se justifique conforme o carácter principal da narrativa.A cinematografia não se fica apenas pela habilidade no manuseamento da câmara e das luzes, a luz é algo que vai percorrer todos os corredores da narrativa, vai transportar todas as paredes de sentimentos , e vai-se manter em todos os gestos humanos. Tudo é influenciado pela forma como vemos a luz e como a interpretamos.
Por isso, cada Director de Fotografia tem a sua própria forma de contar uma história através da luz que cria, sendo esta baseada na realidade ou sendo oposta ao quotidiano. Independentemente do estilo adoptado o essencial fica-se pela percepção do filme como um todo que faça sentido dentro do universo criado pela narrativa.
The Revenant realizado pelo mexicano Alexandro Iñarritu, e com fotografia de Lubezki, conta a história de Hugh Glass e a luta pela sua sobrevivência, primeiramente uma luta pela vida, e mais tarde uma luta pela vingança. Uma história baseada em factos reais, onde personagem principal ,Hugh Glass, é interpretado pelo actor Leonardo DiCaprio envolve -nos na sua luta sofrida, selvagem e derradeira pela liberdade, liberdade de sentir , liberdade de ser
Emmanuel Lubezki vencedor do Oscar na categoria Best Cinematography nos três últimos anos (Gravity, Birdman, The Revenant) e um dos Directores de Fotografia que demostra um grande domínio visual e com um olhar inovador e completo sobre poesia da luz no cinema.
“Maybe it has something to do with the way my brain works. I have always found it easier to communicate with images than with words.”
O filme The Revenant, é bastante relevante pela sua fotografia, há uma poesia imagética que se torna evidente, todo este lirismo e subtileza vem desde os filmes de Tarkovsky, Bergman ou Béla Tarr. Esculpir o tempo “criou uma nova linguagem, fiel à natureza do filme como espelho da vida, e da vida como um sonho” dizia Bergman. O filme The Revenant também encontra nas suas propriedades algumas destas bases e daí o interesse pela fotografia do filme.
Nesta longa-metragem, Lubezki filma apenas com luz natural sendo este um grande desafio, já que a luz natural não pode ser tão bem manipulada como a luz de estúdio, já para não falar dos fenómenos atmosféricos que não podem ser previstos. A ideia principal do filme, era o espectador sentir a personagem,embarcando numa viagem entre o sofrimento e o alívio dele.
A tonalidade do filme nas várias cenas, convidam o espectador a “entrar” para o outro lado do ecrã, criando uma ilusão emocional. Por exemplo a sensação de frio invade constantemente o ecrã, é nos dada pelos cenários constantes de neve e pela coloração azulada que ocorre ao longo do filme. Outro exemplo é a presença do sol, depois de uma situação de perigo, traz-nos uma sensação de alívio e conforto. Estas são uma das sensações mais recorrentes ao longo do filme.
O filme inicia-se com uma coloração muito mais quente (cromaticamente), onde surge a apresentação da personagem principal e da sua família. Relaciona-se também com outro fenómeno interessante que é a utilização das estações do ano para contar a história, que curiosamente também coincide com o estado emocional da personagem principal.
Na sequência inicial do filme, reparamos na utilização de cores que lembram a terra, os verdes e castanhos, uma luz fria mas ainda não luz de inverno, talvez a luz de um Outono solarengo, há uma certa transição da tonalidade do filme em si, que se justifica também pela mudança da acção na narrativa.
A partir daqui há portanto uma mudança de temperatura, tanto meteorologicamente como cromaticamente. A imagem deixa de ser tão quente, e passa a ser mais escura e contrastada, embora lembre novamente o Outono levemente solarengo, falado anteriormente.Estas opções na tonalidade do filme também justificam a elipse que se dá na narrativa, descreve o espaço psicológico das personagens – representa a tristeza e o peso da história na vida das personagens, principalmente de Hugh e Hawk.
Nos momentos de tensão parece que a imagem também se adensa, atém de bem contrastada, prevalece essencialmente a cor verde, e a cor fria do azul nas peles e no ar, representando a luz de inverno. Conforme a narrativa vai avançando a fotografia fica cada vez mais fria, justificando-se pela chegada do Inverno, demonstra também o desespero de Hugh e a luta pela sua sobrevivência. A meio da narrativa, ou seja, quando estamos no conflito, a fotografia é completamente azulada, o ecrã é invadido por paisagens geladas e assim continua até ao plot point que dá origem ao terceiro e último acto da narrativa.
Neste terceiro acto a imagem começa a ficar mais quente, a presença do sol surge novamente, segue também as pisadas da personagem, que encontra uma resposta clara para a sua sobrevivência.
Outra utilização recorrente é a luz da fogueira, normalmente acontece quando anoitece e já não existe luz natural do sol. Faz com que a imagem pareça mais quente e mais aconchegada que nos acompanha pela noite a dentro. Quando a fogueira surge acompanhada de luz natural, normalmente significa perigo.
O director de fotografia opta sempre por cores que sejam mais naturais possíveis e que dialoguem logicamente com a narrativa. Cores frias, a neve, e os castanhos, verdes e vermelhos que se encontram na natureza.
É um filme que utiliza as variações de cores e imagens para completar uma lógica de associações e de entendimentos que cruzam os objectivos da narrativa. Premeia-nos com as suas paisagens que parecem belas telas, onde a sua exuberância sobressai. A natureza entra quase a 100% no dia a dia das personagens, e estes planos com sol, floresta, neve, montanha de certa forma despertam uma sensação de realidade, de presença. Utilizam bastante pequenos movimentos de cunho delicado que faz com que o filme pareça mais real e mais sentido. A neve a cair, o vento nas folhas, a água a passar, a luz na floresta, os reflexos da luz na água são pequenos elementos que causam a noção de tempo, e espaço num filme. Aqui não há um duelo entre a natureza e o homem, há uma comunhão entre eles, já que aqui fazem parte do mesmo. O que há é um duelo entre o homem contra o homem (que nos serve como crítica da construção da humanidade) e isto é nos dado pela composição das personagens em cada plano. Os cenários naturais permitiram a diminuição do homem em relação à natureza, o homem só é “grande” se estiver aliado a todos os outros homens.
Como já nos habitou em filmes anteriores, Inãritu e Lubezki trazem-nos enquadramentos bastante cuidados e precisos, que pretendem marcar uma posição do ponto de vista das personagens dentro da narrativa. A composição na imagem é algo complexo e essencial, é através dela que se cria um certo tipo de linguagem necessária, para a percepção de um filme como um todo. Neste filme recorre-se à utilização dos três terços, realçando as partes importantes da imagem, usa-se também a distribuição de pesos na imagem, criando uma dinâmica lógica de tensão.
A utilização constante do fora de campo, para contar a história fora do ecrã. Isto é nos dado mais um vez pela composição da imagem, para além de outros elementos, como o som ou música.
Curiosamente existe a utilização contumaz dos pontos de vista plongé e contra-plongé, movendo o espectador com a personagem, superiorizando-o ou inferiorizando-o.
De uma forma muito geral, opta-se pela utilização de planos gerais para paisagens, e planos aproximados para as personagens, aproximando ou afastando o espectador, jogando com a empatia necessária para cada cena. Os close-up e os planos mais aproximados também criam uma certa tensão e ansiedade no espectador, enquanto que os planos gerais deixam o espectador respirar, pensar e sentir.
Uma das coisas que eu achei mais relevante na óptica da imagem e fotografia, foi a utilização do pormenor, uma escolha interessante do ponto de vista morfológico. Observo a presença constante de texturas que sobressaem, e que criam proximidade do espectador com a natureza. Estas texturas parecem dar uma vertente mais tangível, e mais vital ao filme, criando um entendimento imediato com as personagens e paisagens.
A poesia imagética de Lubezki expande-se a cada mente criativa, que sente inspirado pela sua sensibilidade. Um bom director de fotografia é aquele que sente e cria. Evidentemente que as opções técnicas também são cruciais para a construção de uma imagem bem cuidada. Neste filme a utilização de grandes angulares permitiu a proximidade às personagens e aos seus sentimentos.
“You have to try to create a different world on each film when you make a movie.”
“The language of film is further and further away from the language of theater and is closer to music. It's abstract but still narrative.”
A narrativa em si não é nada aprofundada, apesar de ser um argumento adaptado esperava-se muito mais. O que sobressai essencialmente prende-se aos movimentos de câmara e à linguagem estética da imagem em torno do filme. Apesar de todas as condições climáticas e contratempos que surgiram nesta produção, algo que surpreende positivamente é uma mise-en-scène, muito bem ensaiada, parece quase que natural, causa uma plenitude singular e verosímil.
A câmera parece movimentar-se com o respirar das personagens, bastante orgânica, com um ritmo humano que fica perto de nós. Uma lente bastante humana que atravessa as adversidades com as personagens, que cai,suja-se, que se molha e respira, que fica e que vai.
Todos aqueles planos sequência chegam-nos de forma bastante honesta, correspondem ao nosso olhar sobre vários acontecimentos em continuidade, um olhar de emergência, de rapidez e ansiedade. Nota-se a conivência entre o trabalho do director de fotografia e da personagem principal Hugh (Leonardo DiCaprio), que permite esta comunicabilidade em harmonia entre os gestos e o movimento da câmara que se expressa agilmente como se também fosse sentimental.
A forma como a fotografia é trabalhada por Lubezki, torna-se bastante fiel à pureza da natureza criando uma linguagem icónica com um elevado nível estético, uma espécie de mistura orgânica entre Tarkovsky (nos movimentos de câmara), e Terrence Malick (na cor e na forma como a natureza surge). O espectador mergulha numa sinuosidade penetrante onde a fotografia prevalece sobre todos os outros elementos e fica marcada na atmosfera criativa dos sentimentos paisagísticos de alguém!