NOTAS SOLTAS

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Fernando António Nogueira Pessoa, poeta.

Nascido em Lisboa, passou parte da infância na África do Sul e foi lá que aperfeiçoou o inglês, escrevendo os seus primeiros poemas nessa língua. Ao regressar a Lisboa, cidade que exaustivamente caracteriza nos seus poemas, começou a escrever maioritariamente em português. Num trecho, Pessoa escreve: “Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo”, mostrando que a sua relação com a língua era muito mais do que uma herança imposta pela nascença.

O poeta dedicou a sua vida à escrita, fazendo isso de uma maneira desmedida, ofegante, até angustiante. Numa nota autobiográfica, escreveu em relação à sua profissão: “A designação mais própria será «tradutor», a mais exata a de «correspondente estrangeiro em casas comerciais». O ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação”.

Conhecido por ter criado diversos heterónimos com diferentes personalidades, Pessoa viveu para a escrita, fazendo-o de uma forma exímia. Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis são os heterónimos mais conhecidos, mas neste artigo Bernardo Soares será rei. Este é considerado um semi-heterónimo, já que Fernando Pessoa explica que, "não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afetividade".

O livro do desassossego, de Bernardo Soares, é uma das obras mais grandiosas de Pessoa. Na Introdução da primeira edição do livro, publicado pela Assírio & Alvim em 1988, assim o descreve: «O que temos aqui não é um livro mas a sua subversão e negação, o livro em potência, o livro em plena ruína, o livro-sonho, o livro-desespero, o antilivro, além de qualquer literatura. O que temos nestas páginas é o génio de Pessoa no seu auge».

Tal como o título do livro sugere, o desassossego é implícito em todas as palavras do poeta. A busca pelo futuro incerto, a ausência do presente, a consciência da “inutilidade da vida”, a angústia em cada linha transcrita, o medo e principalmente a lucidez com que via o Mundo fazem deste (semi-)heterónimo o mais desassossegado de todos. Neste excerto podemos perceber a inquietude do Eu lírico: “Que me pode dar a China que a minha alma me não tenha já dado? E, se a minha alma mo não pode dar, como mo dará a China, se é com a minha alma que verei a China, se a vir? Poderei ir buscar riqueza ao Oriente, mas não riqueza de alma, porque a riqueza de minha alma sou eu, e eu estou onde estou, sem Oriente ou com ele”.

Este livro é extenso, tem cerca de 480 páginas, mas promete a cada fragmento captar a atenção do leitor, fazendo-o viajar por entre a complexidade do pensamento e da escrita pessoano. Considerado um livro autobiográfico, O livro do desassossego foi publicado quase 50 anos depois da morte de Pessoa e é a junção de vários textos avulsos.

Deste diário sem datas de Bernardo Soares ou de Fernando Pessoa, deixo-vos um excerto para vos aguçar o apetite, que prometo tornar-se voraz:

“A loucura chamada afirmar, a doença chamada crer, a infâmia chamada ser feliz – tudo isto cheira a mundo, sabe à triste coisa que é a terra.

Sê indiferente. Ama o poente e o amanhecer, porque não há utilidade, nem para ti, em amá-los. Veste teu ser do ouro da tarde morta, como um rei deposto numa manhã de rosas, com Maio nas nuvens brancas e o sorriso das virgens nas quintas afastadas. Tua ânsia morra entre mirtos, teu tédio cesse entre tamarindos e o som da água acompanhe tudo isto como um entardecer ao pé de margens, e o rio, sem sentido salvo correr, eterno, para marés longínquas. O resto é a vida que nos deixa, a chama que morre no nosso olhar, a púrpura gasta antes de a vestirmos, a lua que vela o nosso abandono, as estrelas que estendem o seu silêncio sobre a nossa hora de desengano. Assídua, a mágoa estéril e amiga que nos aperta ao peito com amor.“

Por favor, leiam este livro num sossego que se possa desassossegar.

O Livro do Desassossego

Podem encontrá-lo aqui, pela Assírio & Alvim, com 10% de desconto.

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