NOTAS SOLTAS

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“O Serge foi o amor da vida da Jane e quando ele morreu em 1991, era agonizante ver a dor dela. Uma dor que a morte do nosso pai, dois dias depois, tornou ainda mais sofrida. Pareceu assim adequado que ela enterrasse uma parte dela no caixão com o Serge: o seu adorado Munckey...”, Andrew Birkin

“My time begins with Jane”. É assim que começa o texto que acompanha Jane & Serge – A Family Album. Escrita e fotografada por Andrew Birkin, irmão de Jane Birkin, esta história começa muito antes de Jane e Serge se conhecerem, numa infância passada entre uma quinta idílica em Rowbury e o mar de Compton Beach. É neste cenário que se forja uma cumplicidade a dois que mais tarde se transforma num trio dinâmico que percorre a Europa em grandes aventuras. Há prostitutas e bares fumarentos, rodagens de cinema, música e livros em casas fantásticas, duas crianças e um macaco de peluche chamado Munckey, um vestígio omnipresente dessa infância agora longínqua.

“Eu apaixonei-me pelo Serge, o Andrew apaixonou-se pelo Serge, o Serge apaixonou-se pelo Andrew, nós éramos um trio. Jugoslávia, França, Espanha, Itália – o Andrew e a sua câmara iam connosco para todo o lado; a nossa alegria, o nosso riso, a nossa completa surpresa, tudo foi captado por ele. E assim continuou, sem nada nunca ter um ‘fim’, e enquanto testemunhas do charme do Serge ficámos interligados durante anos”, escreve Jane Birkin na sua introdução ao livro. Mais do que um registo do romance entre Birkin e Gainsbourg, A Family Album é uma história de amor a várias mãos – dois irmãos, dois cunhados, um tio e duas sobrinhas - e uma porta entreaberta para outras histórias que começaram depois de esta ter terminado. Histórias que já não vemos, mas que sentimos que estão neste momento a seguir o seu percurso e a criar novas memórias.

Porquê publicar este livro agora? É uma forma de encerrar este período da tua vida?
Detesto todo esse conceito de encerramento aplicado ao amor. O meu filho Anno morreu em 2001 e lembro-me que toda a gente falava de encerramento (closure) como se fosse uma hipótese de normalidade futura. Eu prometi que nunca lhe iria fechar a porta e sinto o mesmo em relação ao meu amor pela Jane, pelo Serge, pela Kate e pela Charlotte. É contínuo! Foi a Alison Castle da Taschen que me perguntou se queria publicar o livro. Ela viu várias fotos da Jane e do Serge quando estava a vasculhar as mais de 15.000 fotos que tirei para o Napoleon, do Kubrick. Estava a pesquisar para o livro dela, The Greatest Movie Never Made (também para a Taschen). Eu adorei a ideia, era uma forma de revisitar as minhas fotos antigas que, de outra forma, poderiam ter permanecido sem ser vistas, até por mim. Já me tinha esquecido da maioria. Foi uma forma de as “embrulhar” com um laço e oferecê-las à Jane. Disse a Alison que queria que o livro fosse um álbum de família, que a Kate e a Charlotte foram tão importantes naquele período da minha vida como a Jane e o Serge.

Como “insider”, como é que explicas o fascínio que esta história de amor ainda provoca depois de mais de 30 anos?
Como “insider”, sou a última pessoa a ter uma opinião objectiva, mas parece-me que Jane e Serge eram criaturas raras - e tão opostas em aparência e personalidade - que deram origem a uma combinação ainda mais rara. Elementos de A Bela e o Monstro para uns, inocente Rosa Inglesa encontra génio Russo para outros... um casal único, retratado de forma sublime em Je t’aime, moi non plus.

Qual é a tua memória favorita de Serge Gainsbourg? Registada no livro ou não.
A nossa sessão fotográfica em Oxford é, sem dúvida, uma das minhas memórias favoritas da Jane e do Serge juntos. Foi antes do Je t’aime ter sido lançado, portanto nenhum deles era conhecido em Inglaterra. Na verdade, toda a sessão teria sido impossível um ano depois. Serge estava muito bem – estavam os dois tão felizes e apaixonados – e o fim de semana acabou com Serge a representar uma história de terror para a Kate no cemitério onde Churchill está sepultado. Eu fotografei o momento.

Também te referes ao Serge como uma espécie de mentor...
Bem, Kubrick foi o meu verdadeiro mentor em termos de cinema, mas apesar disso eu era empregado dele. Ele era o patrão em todos os sentidos! Embora fossem os dois da mesma idade – 17 anos mais velhos do que eu – com o Kubrick eu sentia a “generation gap” e com o Serge não, de todo. Era como um irmão e aprendi muito com ele sobre literatura, música, sobre a vida. Para mim, com o Serge foi amor à primeira vista. O primeiro marido da Jane – John Barry – era um Inglês seco e taciturno. Era um compositor brilhante, mas não era uma pessoa divertida. O Serge era um judeu Russo extrovertido! Eu digo extrovertido, mas na realidade ele parecia viver numa constante oscilação entre uma vivacidade extrovertida e a melancolia, sendo que esta última era sem dúvida o resultado das suas experiências durante a guerra, como judeu a viver numa França ocupada pelos Nazis. Ele era totalmente imprevisível, o que era parte do divertimento – a imprevisibilidade é o que dá sal e pimenta à minha vida. A Jane é mais ou menos a mesma pessoa em frente à câmara e em privado, já o Serge tinha uma imagem pública que ele criou – Mr. Cool Guy – mas para mim ele era um génio improvável e original.

Fala-nos um pouco sobre o tempo em que trabalhaste com Kubrick. também falas muito sobre isso no livro.
Eu estava mais ou menos deslumbrado pelo Kubrick e incrédulo com toda a responsabilidade que ele me estava a dar, uma vez que na escola isso nunca tinha acontecido, eu era o miúdo que levava porrada mais vezes do que qualquer outro! Foi uma experiência muito estimulante a vários níveis, sendo um deles andar de helicóptero com uma câmara de 65mm a filmar a sequência “Jupiter and Beyond the Infinite” do 2001, Odisseia no Espaço. Era só eu e o piloto. Uns meses antes eu estava no fundo da cadeia alimentar, era um estagiário mal pago.

Quais são os teus projectos como argumentista e realizador?
Prefiro passar tempo com a minha mulher e com os meus filhos do que estar fora de casa a realizar filmes... mas não me importo de escrever guiões, porque posso fazer isso em casa. Um argumento que escrevi há uns anos atrás – Vernon God Little – vai ser realizado pelo Werner Herzog na Primavera, e estou a escrever um outro argumento com o Ned, o meu filho mais velho, baseado no best seller do Frank Schätzing’s, The Swarm, para a X-Filme.

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