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O Verdadeiro Lugar das Coisas: Sua Natureza Interior, Exteriorizada

Seria interessante conseguirmos descobrir a inventar a verdadeira natureza animada dos objectos: a essência viva mais funda que os habita, bem escondida e disfarçada por trás da firme máscara do imobilismo e da aparente não ação, não vida. (Pre)Sentir a história que povoam e que os seguirá, congelados que estão e ficam, num momento rígido de emoção e aventura. Mas estamos bem distantes da invenção/consciência libertadora e fantasiosa das infâncias, e sentimos amarrados na relação estreita e objectivada com o que criamos e nos rodeia.

Assim - condicionados na rigidez egocêntrica do ser adulto – parece ginástica impossível o alargar, através desse animismo mágico, uma interação criadora com o que nos envolve. (Alargando-nos logo então também, nesse criar imaginado: aprofundando-nos, projetando-nos; tudo reinventando e fazendo viver, vivenciando.)

Será este o luminoso privilégio que nos é partilhado e encorajado, na obra literalmente e profundamente fantástica de Barrão. Aqui, testemunhamos deslumbrados esse mundo mágico que se esconde subtil dentro das coisas; e que assim se espraia e se manifesta, se exprime e se relaciona, numa animada reunião ruidosa de gestos e movimentos: em momentos fugazes mas cruciais, parados num tempo; numa soltura comunicativa e aberta; em forte união e relação. Aqui, os protagonistas – quer representem objetos funcionais ou animais – revelam finalmente a sua essência e força, em libertada e estimulada interação e fantasia.

À origem/natureza kitsch e de produção massificada dos objetos – distintos e orgulhosos símbolos representativos da cultura de massa - o artista aplica uma abordagem mais intuitiva que decidida, mais de procura que de encontro, mais de improvisada libertação que de estudada reconfiguração. Na busca disponível pela vida em que lhe vão surgindo, ele os identifica e acolhe; no atelier lhes retira formatação e algum limite primeiro, depois lhes reconhece e encoraja expressão e expansão, reunião com semelhantes e avanço. E assim vai, a partir desse ambicioso relacionamento, construindo uma irônica obra, em que - saído da reprodução fabril, seriada e estéril – o objecto vem assumir agora um caráter/manifestação único e próprio. E que jamais poderia ambicionar ou conseguir sozinho.

Mas aqui a fronteira entre a leve ironia e a carga crítica da obra está bem clara. Pois esta também incorpora, e fortemente, uma séria reacção à ordem fabricada das coisas: à formatação da beleza e ausência de critérios próprios; à predefinição, por outrem, das curvas da nossa própria emoção, vida e ousadia. Estas peças, de origem decorativa e funcional linear, transformam-se, às mãos do artista, no resultado/objecto da sua própria mutação e transcendência.

(Isto é feito, sobretudo, através da exploração livre e intuitiva de outras direcções e vontades possíveis, que habitam o seu interior cerâmico: subterrâneas, escondidas, vibrantes, infinitas.)

Assim, saídas altivas de um envelhecido mundo decorativo – e já enriquecidas com um pendor animista e psicológico; sincrético e resolvido, mas agora realmente em vida e vividas; renascidas no capricho significativo de um acaso criativo e reconstruídas numa coabitação onírica e maravilhosa, vivenciando e incorporando a sua verdadeira natureza - estas coisas manifestadas gritam ruidosas da redução tonta que fazemos de todos os objetos, mesmo de nós, e também, claro, de todo um mundo diverso e pleno.

Em complot retalhado e místico com outras de enriquecedora natureza, nestas obras acontece uma transcendente decisão e causa: a manifestação corporificada do espírito, em barro envernizado, que habita os animais todos e tudo, e todas as coisas. O que o artista aqui faz é escolher – dar forma, reproduzir, partilhar – a fabulosa energia viva que reside, em expectativa morna e mirabolante, adormecida, no todo e em todos. E claro, este manifestar uno ri-se, grave, alto e ruidoso, da separação ácida e constante que impomos às coisas, à nós, a um inteiro e descomunal planeta.

Imagina-se aqui uma verdadeiramente fenomenal aventura: reunir num só enorme espaço/tempo todas as esculturas vivas do artista, e logo mergulhar a descobrir essa imensa galáxia colorida de mil seres que se lançam e conversam, se fundem e se separam, se reproduzem e se acalmam, numa liberdade anárquica e fantástica, que jamais e sempre se (re)inventa e se recria. Partindo de novo sempre em tudo, e em tudo sempre de novo se reunindo.

(Muito fica sempre por dizer num texto assim tão curto, mas sublinhamos): Estas nossas obras nascem cozidas no calor de um fogo sem formatação ou mentira; e bem nos ensinam: que por detrás da cortina de fumo que é a forma rígida predefinida, habita expectante e adormecida toda a possibilidade infinita! Uma brincadeira a ser levada a sério, como bem mostra o efeito final desta alquimia em vida que nos é aqui exemplificada, sublinhada, demonstrada. Assim, aprendamos.

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