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Fotografias: António Néu.

Ainda em ritmo work in progress fizemos um passeio pelo Mouraria Light Walk. Entre instalações já terminadas e outras, ainda, numa azáfama de piquetes de electricidade, a serem finalizadas. Ups – de repente fez-se luz. Que emoção olhar para um trabalho fotográfico em caixas de luz que repentinamente se ilumina. É o Noor (luz em árabe) – Mouraria Light Walk que começa hoje, dia 18, às 22h e termina no Sábado às 02h. Fizemos o percurso, adorámos e recomendamos!

O Noor – Mouraria Light Walk é um percurso de arte e luz que propõe ao público um novo olhar sobre o bairro da Mouraria, um dos primeiros guetos muçulmanos da história europeia. Construído de costas viradas para o rio Tejo e portanto sem sol na maior parte do dia, as suas ruelas obscuras tornaram-se sinónimo de actividades ilícitas e vida boémia. Trata-se de um percurso com diversas instalações artísticas e intervenções baseadas em efeitos de luz. A organização pertence ao EBANOCollective: Chiara Pussetti, Lorenzo Bordonaro e Vítor Barros.

Iniciámos o percurso com a instalação Made in China. Esta reflecte-se numa chuva de lanternas “que comprámos na comunidade chinesa da Mouraria e brincámos com o título Made in China porque são lanternas japonesas que a comunidade chinesa vende aos restaurantes de sushi que se fingem japoneses, quando são realmente chineses, e estão presentes por toda a cidade”, conta Chiara Pussetti. As lanternas evocam a presença da comunidade chinesa no Bairro, do seu comércio, da sua estética e valores, sugerindo na Europa a imagem de um oriente remoto, exótico e distante. Logo ao lado está a Ginginha da Mouraria (fechada há anos) com uma instalação de Nuno Saraiva, um ilustrador de banda desenhada, que preparou a intervenção juntamente com os seus alunos do Ar.Co. Ele mora no bairro, conhece-o muito bem, e decidiu criar uma série de figuras em B.D, iluminadas, que reflectem os moradores da zona. A instalação intitula-se A Mouraria em Ilustração de Volume e contém o taberneiro, a Severa, as sobreviventes casas góticas de ressalto e o desaparecido arco do alegrete, com lendas e santos à mistura.

Prosseguimos para a instalação Gramofado da autoria de Elettra Bordonaro (Social Light Movement) que utilizou antigas trombas de gramofone suspensas no espaço, não só como elementos de iluminação, como também sonoros. Segundo Lorenzo Bordonaro, esta instalação “propõe uma viagem entre sonoridades atlânticas que de alguma forma têm uma semelhança de família ou dialogam com o fado. Ao longo deste percurso o visitante vai ver as fotografias de Camila Watson e ouvir quatro faixas musicais diferentes: começa com o fado mais antigo, dos anos 30 e 40, e logo outras sonoridades se sobrepõem, como por exemplo o chorinho e a morna”. Assim é possível demonstrar o modo como os géneros musicais se cruzam.

Continuamos para o Largo da Severa, uma das primeiras grandes fadistas portuguesas. Ligada ao bairro da Mouraria como berço do fado, a instalação A Rua do Pecado parte de uma interligação com as “trabalhadoras do sexo” dentro do bairro. “Com elas tentámos dar voz a uma comunidade muitas vezes invisível e que trabalha nas sombras da Mouraria. Pensámos num ponto central que unisse as suas vozes. Assim surge a Severa que, para além de grande fadista, foi uma prostituta. O percurso passa a ser pontuado pelo vermelho, cor escolhida pelas “profissionais do sexo” por ser a do pecado, e por manequins. Cada um dos manequins dá voz a estas pessoas e conta histórias”, revela Chiara. Ouvimos reivindicações de direitos, denúncias, críticas e mensagens.

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Saindo da Rua do Pecado, fazemos uma incursão na Luz sobre a Luz de Fabrice Ziegler, um artista francês que vive há muito tempo em Portugal. Esta reflecte sobre a presença do Islão na Mouraria. Fabrice construiu umas figuras geométricas perfeitas, cubos com uma iluminação interior que são marcados nas laterais com escrita árabe. Cada um deles suporta uma palavra, um apelo lançado ao Tempo, inspirado numa parte da história deste bairro onde há mil anos se exprimia a cultura islâmica.

No interior do Colégio de Santo Antão o Velho, Lorenzo Bordonaro aproxima-se dos ex-votos através da instalação Frágil. Uma série de caras em cera, dispostas ao longo de um corredor, observam-nos como se o olhar fosse real. São as promessas de cera – elemento da devoção popular portuguesa e um símbolo da religiosidade nacional –, ligadas às trajectórias de sofrimento e cura que levam as pessoas até Fátima para pedir apoio espiritual.

Este passeio pela luz é de facto, artisticamente falando, muito interessante e consegue surpreender-nos a cada esquina. Será que aquela chuva de chapéus de chuva pendurados são uma evocação à obra de Magritte? Não, são as Águas Vivas, um cardume de medusas suspensas no céu da Mouraria. Segundo Chiara, trata-se de “uma brincadeira com as medusas e caravelas portuguesas”. Evocam, por um lado, a especial relação de Portugal com o mar e, por outro, a outra face da cidade mais ligada ao ambiente húmido, obscuro e frio da Mouraria após as chuvas de inverno.

Entretanto, uma série de fotografias em caixas de luz, sem luz, expostas no Palácio da Rosa é subitamente iluminada pelo piquete de electricidade que anda pela Mouraria a dar luz às obras ainda escurecidas. Uau é a expressão que nos surge ao ver Abandonada de Vítor Barros. Como o nome reflecte, trata-se de fotografias de interiores abandonados no centro histórico de Lisboa. Segundo Vítor, “quis demonstrar a ideia do abandono de diferentes maneiras, não só do património histórico, mas também a relação que as pessoas têm com o espaço e a memória. São locais de culto, trabalho e aprendizagem.” Atrás das portas emparedadas e das janelas cegas encontram-se vestígios de histórias, patrimónios artísticos, memórias e palavras dos antigos moradores, segredos preciosos e inacessíveis.

Muitas outras surpresas vão surgindo, tal como as instalações A Mouraria imaginada pelas crianças, Mutações e um espaço lounge com músicos e DJ’s a darem música aos espectadores da luz. Pelo meio surgirão actores de teatro de bairro e personagens vestidas de candeeiro que irão conduzir as pessoas a determinados locais.

Por último, só temos uma frase a dizer:

Vale a pena!

Percurso: Martim Moniz, Rua da Mouraria, Rua do Capelão, Largo da Severa, Rua da Guia, Rua Marquês de Ponte de Lima, Largo da Rosa, Largo dos Trigueiros, Rua de São Cristóvão e Rua do Regedor.

Arte

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