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Momento à parte, de Vasco Araújo

Vasco Araújo (n. 1975) é um dos artistas portugueses mais importantes da sua geração. O seu corpo de obra é já vasto e bastante consistente. As suas temáticas são recorrentes e debruçam-se sobre questões de identidade sexual, racial ou social. Existe um tom em Vasco: um tom de fino humor que perpassa toda a sua obra e que pede ao espectador alguma perspicácia e cumplicidade. As suas referências são cinematográficas, literárias, musicais e mitológicas e exigem-nos tempo e atenção.

Aparte é um recurso dramatúrgico através do qual uma personagem partilha uma confidência com o público sem que seja ouvida pelas outras personagens. Momento à parte, o título desta exposição antológica, remete para este dispositivo teatral muito utilizado no teatro Renascentista. É como um aparte que ouvimos as vozes de Perruque (2005), uma instalação de oito perucas suportadas pelo que parecem ser castiçais, montados em cima de mesas altas. Cada peruca tem uma voz que conta o motivo pelo qual usa peruca. Estas histórias estão relacionadas com questões sociais ou de vaidade, sempre contadas de forma intimista. Para as ouvirmos temos de encostar a cabeça, tornando essas narrações em confidências que nos são contadas por aquelas perucas, todas diferentes, e que parecem as famosas cabeças Tsantsa encolhidas pelos índios Shuar, o que aumenta a nossa resistência à aproximação. Mas não se pense que esta obra é assustadora. Esta obra, com os seus textos plenos de idiossincrasias da Humanidade, é antes um perfeito exemplo do sentido de humor retorcido e delicioso de Vasco Araújo.

As suas referências cinematográficas fazem-no vogar entre a ficção e o documentário ,que baralha constantemente de forma hábil como em Sabine / Brunilde (2003), onde podemos ver numa dupla instalação vídeo a mesma pessoa a desempenhar duas personagens diferentes, uma delas, Brunilde, inspirada na personagem ficcional de O Anel de Nibelungo de Wagner. Os dois vídeos passam em simultâneo e deixam-nos a dúvida de onde está a ficção e onde está a realidade. Mas não é isso o mais importante. É precisamente essa dúvida que Vasco Araújo quer instalar, porque só assim, conseguimos ver e ouvir sem preconceitos.

Uma das grandes questões do cinema documental refere-se à presença do realizador. É um pensamento sempre presente e uma preocupação constante quando o realizador (que é inevitavelmente interveniente) não quer aparecer ou ser ouvido, mesmo que em off. Vasco Araújo não tem medo da exposição. Faz disso uma característica do seu trabalho. Podemos vê-lo na série fotográfica Telefonema (2011) e ouvi-lo em Eco (2008), mas há várias obras que já tivemos oportunidade de ver noutras exposições, obras significativas, em que o artista encarna diferentes personagens. Sendo esta exposição uma antológica, sentimos falta dessas obras que trazem consigo essa característica tão própria de Vasco que nos remetem para artistas como Cindy Sherman, sendo que Vasco utiliza a transfiguração como parte da obra e das questões que propõe.

Momento à parte engloba vinte anos de carreira artística de Vasco Araújo, mas é inevitável que o consideremos um pouco um arauto de uma geração e que consigamos ver plasmadas as preocupações de toda uma “jovem” geração que tem hoje cerca de 40 anos. Crescemos com o saudosismo colonial dos nossos pais ou avós, alguns de nós nasceram ainda em África e dizemo-lo orgulhosamente. Falamos (quase) abertamente das nossas orientações sexuais e das dos outros e ganhámos alguns direitos que hoje consideramos naturais. A arte de Vasco Araújo, não sendo claramente política, levanta, em muitas obras destes últimos vinte anos, questões sobre a liberdade de expressão e o nosso lugar na sociedade. Em Perruque um coro de vozes dissonantes fala baixinho, Sabine / Brunilde baralha a ficção e a realidade através da música e das suas histórias, em Protocolo um diário deixa-se ler e em Telefonema só vemos as conversas. Momento à parte, dá-nos uma visão transversal do que é o corpo de obra de Vasco Araújo a partir de uma reflexão sobre a performance e em específico sobre a voz como veículo de expressão artística e, diríamos ainda, de expressão política.

Até 9 de setembro, no MAAT.

Com uma carreira em produção de cinema com mais de 10 anos, Bárbara Valentina tem trabalhado como produtora executiva, produzindo e desenvolvendo vários documentários e filmes de ficção para diversas produtoras entre as quais David & Golias, Terratreme e Leopardo Filmes. Atualmente ocupa o cargo de coordenação de pós-produção na Walla Collective e colabora como diretora de produção e responsável pelo desenvolvimento de projectos na David & Golias, entre outros. É igualmente professora na ETIC, no curso de Cinema e Televisão do HND – Higher National Diploma. Começou a escrever artigos para diferentes revistas em 2002. Escreveu para a revista Media XXI e em 2003 começou a sua colaboração com a revista Umbigo. Além desta, escreveu também para a Time Out Lisboa e é crítica de arte na ArteCapital. Em 2010 terminou a pós-graduação em História da Arte.

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