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Viagem ao Princípio: Ida e Volta

30 Anos da Coleção de Serralves no panorama da Arte Contemporânea portuguesa

 

O Museu de Arte Contemporânea de Serralves celebra os trinta anos da sua coleção, uma das maiores e mais importantes coleções portuguesas. Reúne um elevado número de obras, superior a 4300, das quais mais de 1700 são propriedade da Fundação e as restantes, em depósito, são provenientes de outras coleções, tanto privadas como públicas. Agrega-se, assim, um forte núcleo de arte contemporânea, datado desde o ano de 1960 até ao presente.

O atual aniversário deste espólio é um marco de particular relevância não só no contexto da instituição como a nível nacional. Como tal, celebra-se a data com uma exposição que propõe recordar o seu início, convidando a uma viagem ao princípio.

 

O que se veio a instituir enquanto a extensa e sólida coleção que hoje se conhece, nasceu há quarenta anos, altura em que a compra e a junção de obras faziam parte do próprio processo de fundação do Museu de Serralves. Denotava-se, na época, a urgência em criar instituições que se estabelecessem enquanto plataformas para a exibição e a projeção da criação artística desenvolvida pelos artistas portugueses. Já havia sido fundado o Museu do Chiado, em 1911, surgindo a primeira iniciativa de espaço expositivo na Casa de Serralves, em 1987, dois projetos que, embora anunciassem uma inclinação para a produção artística contemporânea, ainda se mantinham presos à arte moderna.

Foi com tal premência que se decidiu formar uma coleção que integrasse e fortalecesse um novo projeto, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Este foi conduzido com exímia dedicação durante a direção de Vicente Todoli e com igual empenho por João Fernandes. Ambos os diretores do museu, a seu tempo, afirmaram e consolidaram o espólio enquanto um conjunto coerente, estruturado e orientado com particular atenção aos criadores nacionais, sem que, por isso, descurarem o que se produzia exteriormente. A coleção foi tornada pública, desde cedo, na grande abertura do museu, com Circa 68 (1999). Esta última, anunciada como uma exposição-manifesto, foi representativa do momento histórico vivido entre os anos 60 e 70, caracterizado por mudanças políticas, sociais e culturais a nível internacional que conduziram ao nascimento de novos paradigmas criativos e ao que hoje se verifica ter-se desenvolvido como arte contemporânea. A exposição distribuiu-se pelo edifício principal que então se inaugurava, da autoria de Álvaro Siza Vieira, e pela Casa de Serralves. Tal modo de ocupação espacial reproduz-se, agora, ao qual se acrescentam os jardins do museu, o Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões e os Paços do Concelho da Câmara Municipal do Porto.

 

A atual exposição comemorativa dos trinta anos da coleção de Serralves foi inaugurada, no dia 10 de julho, por Philippe Vergne que, com um claro entusiasmo e orgulho na instituição que agora dirige, elogiou o espólio e agradeceu a todos aqueles para ele têm contribuído, caso do Conselho de Administração e dos vários parceiros de Serralves. O diretor do museu também agradeceu aos artistas, dirigindo-lhes o seu “maior reconhecimento e admiração”, afirmando serem eles que “nos permitem conhecer melhor o nosso tempo e época”. Marta Almeida, por sua vez, afirmou que os artistas, a par do público, são as razões de ser da ação do museu e reforçou a cumplicidade entre os primeiros e a instituição, anunciando a recente exposição como um “testemunho vital deste círculo de confiança”. A diretora adjunta destacou o investimento feito na conservação da coleção, bem como na sua visibilidade e proximidade contínua ao público através de várias exibições.

Seguidamente, teve lugar uma conversa, conduzida por Marta Almeida e Ricardo Nicolau, com cinco dos artistas que integram a mostra: Augusto Alves da Silva, André Cepeda, André Guedes, Albuquerque Mendes e Charlotte Moth. Os artistas presentes foram apresentados e convidados a partilhar as suas experiências durante os processos de produção e exposição no museu. Assim, a ocasião consistiu numa oportunidade singular para conhecer melhor os trabalhos de cada um deles, bem como as relações que se desenvolvem entre artistas e museu de Serralves, incluindo neste todos os que o constituem, desde os curadores, aos diretores e às equipas de montagem. Simultaneamente, tendo a conta a amplitude da faixa etária, das práticas artísticas e dos cinco projetos em questão, também se possibilitou vislumbrar a pluralidade e a abrangência visuais, plásticas, formais e expressivas que a coleção abarca, tão multidisciplinar e híbrida quanto, desde início, se propôs ser, proporcionalmente ao que representa e constitui a própria arte contemporânea.

Depois deste encontro, Tango, de Albuquerque Mendes, deu continuidade à inauguração, já na Casa de Serralves, performance essa que havia tomado lugar, no mesmo espaço, em 2001.

 

Da mostra que presentemente se encontra no Museu de Serralves, concebida e comissariada por Marta Almeida, Isabel Braga e Ricardo Nicolau, há que admirar e reconhecer a seleção das obras e a conceção curatorial que proporcionam uma impressionante dimensão expositiva. Pode destacar-se, para além dos artistas que marcaram presença na inauguração, o trabalho de Alberto Carneiro (1936-2017), Álvaro Lapa (1939-2006), Christian Boltanski (1944-), Lothar Baumgarten (1944-2018), Nick Mauss (1980-), Pedro Cabrita Reis (1956-) ou Richard Serra (1938-). Mesmo perante a dificuldade em referir somente alguns nomes dentro da magnitude do espólio em questão, estes últimos, por si só, afirmam o valor e a importância de visitar a exposição. Ressalva-se que, para contemplar e percorrer os variadíssimos objetos apresentados, requer-se tempo e dedicação, sem os quais algumas experiências estéticas ameaçam interferir umas com as outras pela proximidade física, visual e perceptiva das obras.

Como Ricardo Nicolau explica, o que hoje se expõe resulta da procura em determinar o que é que simboliza a coleção. O adjunto do diretor conta ter-se evidenciado o facto de que “grande parte das obras mostradas foram pensadas, feitas e concebidas propositadamente para Serralves”. Tal característica é, com efeito, significativa e rara, justificando-se, assim, como ponto de partida e elemento estrutural da atual mostra, bem como determinante no modo como a ocasião e a própria coleção são compreendidas, pensadas e recebidas pelo público.

 

A criação da Fundação de Serralves data de 1989, momento a partir do qual se afirmou como uma instituição que, sendo privada, tem uma utilidade pública, procurando contribuir tanto para o crescimento e a visibilidade da criação artística nacional, como para impulsionar a sua internacionalização. A coleção do museu instala-se dentro e fora do mesmo, assim como do Porto e do país, tendo vindo a concretizar diversas exposições nos mais variados locais, instituições e cidades, alargando a sua expansão e alcance de públicos.

Hoje, celebra-se Serralves e, especialmente, os vários artistas e respetivas obras que integram o seu extenso e notável espólio, até 03 de novembro de 2019.

Constança Babo (Porto, 1992) é doutorada em Arte dos Media e Comunicação pela Universidade Lusófona. Tem como área de investigação as artes dos novos media e a curadoria. É mestre em Estudos Artísticos - Teoria e Crítica de Arte, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, e licenciada em Artes Visuais – Fotografia, pela Escola Superior Artística do Porto. Tem publicado artigos científicos e textos críticos. Foi research fellow no projeto internacional Beyond Matter, no Zentrum für Kunst und Medien Karlsruhe, e esteve como investigadora na Tallinn University, no projeto MODINA.

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